A revitalização de um das áreas de lazer mais importantes de Porto Alegre será liberada para passeio até o fim do mês que vem. O trecho de 1,4 quilômetro da orla do Guaíba, que vai do Gasômetro até a chamada Rótula das Cuias, rendeu muitos debates. Agora, com a reforma praticamente pronta, o responsável pelo projeto, o renomado urbanista Jaime Lerner, comemora.
– É uma das obras mais importantes da minha vida – ele diz.
Falando por telefone de Curitiba, Lerner rebate as críticas ao projeto, questiona o excesso de burocracia e defende outra obra controversa: a recuperação do Cais Mauá.
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O senhor acompanha as obras da orla do Guaíba?
Sim, tenho uma equipe que vai com frequência a Porto Alegre discutir cada detalhe da obra. Estou muito satisfeito com o resultado. Fico feliz que as coisas tenham caminhado para a realização do projeto exatamente como ele foi pensado.
O que mais vai chamar a atenção na nova orla?
Porto Alegre tem a sorte de ter um rio que marca a paisagem. Esse projeto aproveita o rio. Ao mesmo tempo, a vida das pessoas, o trabalho, a mobilidade, tudo deve acontecer junto. Esse é o segredo de uma cidade.
A obra demorou muito mesmo tendo dinheiro garantido. Por quê?
Porque, bem, tem que demorar. Com o tempo, os governos criaram muita burocracia. O país criou uma burocracia que retarda demais a execução das obras. Criou também uma cobrança na tentativa de ter todas as respostas para um projeto, mas não é possível ter todas as respostas. O planejamento das soluções para as cidades é, por natureza, um processo de incertezas. E hoje em dia a burocracia quer ter certeza de tudo. A insegurança da burocracia retarda tudo.
O senhor está falando do poder público?
Sim: Ministério Público, Tribunal de Contas... Os órgãos que controlam a execução de obras retardam a entrega de espaços importantes para a população. Podíamos estar usufruindo da orla há mais tempo.
A rigidez, em geral, serve para coibir possíveis irregularidades. Há excesso de rigidez?
Não. Existe uma cultura de ter certezas. E eu acredito que não podemos ser prepotentes querendo saber tudo antes. O importante é iniciar e dar espaço para a população corrigir, se for necessário. Agora, tudo o que aconteceu, todas as verificações dessas autoridades, conferiram à obra uma condição salutar. É uma obra grande e que foi realizada de maneira muito transparente. A população pôde acompanhar tudo de perto.
Em 2013, o senhor foi vaiado em uma audiência pública na Câmara de Vereadores. Acha que as pessoas que eram contrárias ao projeto se arrependerão?
O que quero é que essas pessoas fiquem felizes com obra pronta. O (ex-deputado) Fernando Lyra costumava dizer: "A vaia é o aplauso de quem não concorda". A gente não pode ter essa prepotência de querer ter razão sempre. Toda obra tem seu lado questionável.
Tem algo que o senhor considere a "joia da coroa" do projeto?
O calçadão tem uma iluminação, que chamamos de "chão de estrelas" (piso iluminado por pequenas lâmpadas de led), que vai se sobressair no momento do pôr do sol. A alegria da contemplação da paisagem vai se renovar constantemente. Gosto muito disso. E, também, da ocupação das áreas de esporte. E haverá um ponto de encontro de todos: o prolongamento da Rua dos Andradas, que vai terminar, já dentro do rio, em um bar.
O Cais Mauá também é um projeto do senhor. Tem acompanhado o impasse?
Sim. É um projeto que dividimos com uma equipe de Barcelona. O Cais Mauá passou por todas as dificuldades que um empreendimento como esse passa. Está pronto para dar à população aquilo que ela espera. Sei que tem muitas críticas. Olha, vou te dizer: as pessoas não sabem o cuidado que houve com a parte comercial para que não fosse mais um shopping, aquelas casas fechadas que existem no mundo inteiro. Tenho certeza de que o Cais Mauá trará tantas alegrias quanto o projeto da orla.
Esse projeto foi ainda mais debatido...
Em Porto Alegre, tudo é debatido exaustivamente (risos).
Isso é bom ou ruim?
Foi bom. Passar por todo esse processo foi ótimo.
Mas o senhor está convicto de que a obra vai sair do jeito que o projeto prevê?
Vai sair do papel, tenho certeza. Não foi um projeto para ficar no papel. Nos últimos anos, mudaram os empreendedores, e isso torna o trabalho mais difícil. Espero que os empreendedores que assumirem a realização sintam o quanto isso é importante para a população.