À frente do maior centro de excelência em matemática do país, o pesquisador Marcelo Viana, 54 anos, está quebrando a cabeça para tentar resolver uma equação complexa: diminuir o abismo que existe entre o desempenho médio dos alunos do ensino público brasileiro com o de outros países. Viana dirige o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), com sede no Rio, que reúne a elite dos pesquisadores do país e tem o desafio de irradiar conhecimento também para a educação básica. Neste ano, o Impa conseguiu atrair para o Brasil o Congresso Mundial da Matemática, realizado no início do mês.
O evento é marcado pela entrega da Medalha Fields, considerada o Nobel da matemática. No Rio, chamou a atenção mundial quando a medalha de um dos agraciados foi furtada. Na entrevista a seguir, Viana fala sobre o episódio e suas repercussões e analisa as deficiências do ensino da matemática no Brasil.
Como é desenvolver matemática em um país com problemas profundos na educação básica?
É o nosso paradoxo: a pesquisa se desenvolveu apesar de tudo isso, é notável. Mas, o preço foi a separação entre a pesquisa e a educação. Começamos a tomar consciência mais recentemente e estamos tentando reverter, chamando a universidade e os institutos como o Impa a terem papel também na questão da educação. Estamos fazendo todos os esforços para conectar esses dois mundos.
E como se faz isso na prática?
Desde 2011, temos um projeto de mestrado para a formação de professores, uma ação muito concreta. É um programa de mestrado, ministrado por universidades, institutos federais e outras instituições de Ensino Superior em todos Estados, voltado para a formação do professor da escola. Olimpíada Brasileira de Matemática também é ação concreta. E temos de ir além. A formação dos professores é o nosso principal problema e é algo que a gente tem de ter mais capacidade de intervenção, repensando a formação do profissional.
O desempenho dos alunos em matemática é muito baixo. A preparação do professor é um problema?
É muito baixo mesmo. Há um estudo concreto que mostra que a criança, quando entra na escola, gosta de matemática. Não tem bicho-papão para quem tem quatro ou cinco anos. Mas, ao longo do processo educacional, o medo é gerado dentro da sala de aula. Há uma idade crítica: é mais ou menos na virada do primeiro para o segundo ciclo, lá pelos 10, 11 ou 12 anos, que o percentual de crianças que gostam de matemática passa a ficar abaixo daqueles que não gostam. O que está acontecendo aí? Quando você tem três ou quatro anos, matemática serve para você contar os brinquedos, para saber se o pedaço da pizza é maior do que o do irmão, esse tipo de coisa fica muito concreta na vivência da criança. Na sala de aula, quando a matemática vai ficando mais abstrata, é um desafio muito grande para o professor ser capaz de ensinar os conceitos mais abstratos de forma que ainda assim conecte com algo que a criança entende na sua realidade. Se não, vira jogo arbitrário e abstrato. Isso depende de professor que saiba fazer isso. A formação do professor é o ponto número 1 do nosso sistema educacional e a valorização do trabalho do professor vem logo a seguir, em termos de salário e carreira. Nem todos os professores ensinam igual, e os que educam melhor deveriam ser recompensados por isso. O nosso sistema de educação tem problemas muito sérios: estruturais e de recursos e instalações. Mas o núcleo da questão é a formação e, logo depois, a valorização do professor.
Como a matemática se aplica no dia a dia dos brasileiros?
A matemática é difícil de ser mostrada, mas podemos nos esforçar para fazer isso. Acredito que, quando a gente se esforça, consegue mostrar que a matemática está presente quando você usa cartão de crédito, acessa o banco pela internet ou faz tomografia computadorizada.
A matemática é difícil de ser mostrada, mas podemos nos esforçar para fazer isso. Acredito que, quando a gente se esforça, consegue mostrar que a matemática está presente quando você usa cartão de crédito, acessa o banco pela internet ou faz tomografia computadorizada.
MARCELO VIANA
Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa)
Se olharmos os premiados no congresso de matemática, vamos ver basicamente homens. Onde estão as mulheres matemáticas?
Isso é um problema sério. O Brasil até tem estatísticas razoavelmente menos ruins do que a maioria dos países em termos da presença da mulher, mas tal como acontece em outros locais, os números enganam, se você olhar de maneira muito linear. As mulheres são minoria em todos os estratos, e piora quando você sobe nos escalões da carreira. Em instituição como o Impa, que é de excelência, realmente o nosso desequilíbrio de gênero é embaraçoso: temos uma única pesquisadora. Temos mais mulheres no quadro de temporários, e percentual muito maior entre as alunas. Mas tudo isso se encaixa nesse padrão de que, ao longo da carreira, o percentual de mulheres vai diminuindo.
Não significa que elas sejam menos inteligentes, mas elas vão ficando para trás por algum motivo.
Há algum fator que só pode ser sociocultural em ação que faz com que, ao longo do tempo, os garotos se tornem mais competitivos e as meninas fiquem mais retraídas. Quando pergunto às medalhistas por que (isso acontece), elas sempre respondem a mesma coisa: os garotos são mais incentivados. Certamente, temos um fenômeno cultural que desencoraja a continuação da presença da mulher no ambiente matemático e isso é coerente com o que a gente observa depois na carreira. Até há percentual razoável em termos internacionais de mulheres nos estágios iniciais da carreira, mas, ao longo do tempo, as mulheres têm mais dificuldade para subir. É claro que aspectos biológicos como a maternidade e o que vem depois, cuidar dos filhos, têm um peso para as mulheres. A solução para o problema do desequilíbrio de gênero passa muito por cima do que as instituições acadêmicas podem fazer, passa por mudança de cabeça e procedimentos no nosso tecido social.
Em 2018, o Brasil sediou pela primeira vez o Congresso Internacional de Matemática e trouxe para cá a Medalha Fields. O que ficou de legado para o Brasil desse evento?
É importante este momento, quando a gente premia jovens pelos seus trabalhos. Para nós, matemáticos, também é um instrumento para popularizarmos (a matemática). Basta ver a atenção e o interesse com que todo o processo foi seguido na nossa mídia. Claro, tivemos o incidente lamentável do furto de uma insígnia, mas o próprio ganhador apontou que o que levaram foi de pouco valor, apenas uma medalhinha, já que ele é medalhista Fields, e isso ninguém tira dele.
Ficou algum constrangimento pelo episódio perante a comunidade internacional da matemática?
Não creio. Acho que a nossa mídia ficou mais constrangida que nós em relação à comunidade internacional. Porque episódios como esse são evidentemente lamentáveis. Teria feito qualquer coisa para evitar, mas a gente tem de entender que, em um evento com a envergadura do congresso, com mais de 3 mil participantes, essas coisas acontecem. Roubaram o Oscar de uma atriz em Los Angeles. Será que a imprensa americana saiu com complexo de vira-lata achando que o mundo está perdido porque roubaram o Oscar? Não acredito. É lamentável, preferia que não tivesse acontecido, mas a gente tem de manter a coisa dentro da proporção daquilo que aconteceu. Houve um furto, os ladrões provavelmente vão ficar muito desapontados porque, na hora que forem vender a medalha no mercado negro, vão ganhar uma mixaria, ela não vale tanto assim em termos materiais. E para o vencedor, a preocupação em relação à medalha é que ele tinha prometido para o filho de quatro anos que mostraria a medalha. Esse era o constrangimento dele (risos).