Há duas semanas, o Facebook decidiu retirar do ar dezenas de páginas que produziam e espalhavam conteúdo falso com teor político. Nos últimos dias, outra rede, o Twitter, seguiu o mesmo caminho e lançou ofensiva contra perfis falsos que já começaram a ser usados com objetivos eleitorais.
Os dois movimentos antecipam o debate sobre um aspecto que deve marcar a campanha de 2018 no Brasil: a guerra de informação nas redes e as fronteiras legais do uso da internet no período do pleito.
Especialista em direito eleitoral digital, o professor Diogo Rais avalia que não houve censura na suspensão de perfis de quem espalha conteúdo mentiroso nas redes. Na entrevista a seguir, Rais avalia o papel do Judiciário no controle de notícias falsas, os limites da lei na produção de conteúdo online e como encarar a arena em que se transformou o ambiente digital.
Qual sua opinião sobre a ofensiva de Facebook e Twitter?
O tema é muito difícil porque precisa de análise de cada conteúdo. São companhias privadas, mas ganham dimensão e relevância pública que vão além do controle de empresa comum. Costumo comparar muito com o que acontece quando você tem propriedade privada que é, por exemplo, a sua casa, e outra que é um bar, estabelecimento em que você serve as pessoas. Os dois são privados, mas em um você tem âmbito de liberdade enorme, no outro, não. Porque, afinal, você não pode discriminar, criar regras incoerentes. Penso que as redes sociais estão nessa faixa: são propriedades privadas, mas geram dimensão pública e política enorme a ponto em que não se pode fechar os olhos para esse contexto. Elas criam as suas próprias regras, são autônomas no sentido simbológico mesmo, produzem normas para si mesmas. Porém, essas regras não podem infringir as leis.
Como distinguir se é censura ou exercício dessa política?
Vendo o conteúdo que está sendo removido. O Facebook veda perfil falso. Outras plataformas, como o Twitter, não tinham regras excluindo ou exigindo a veracidade do perfil.
O que, talvez, faz diferença entre censura e "limpeza" é seguir com fidelidade a sua prática, não ter decisões diferentes para uma mesma situação e trazer transparência para essas decisões. Perceber que é um ator relevante no processo democrático e que essa transparência passa a ser exigida. Não há fórmula mágica, mas há parâmetros que nos ajudam a ter mais segurança. A política foi para a internet e, como tal, ela também precisa demonstrar que abre espaço para todas as ideologias.
Qual é o papel do Judiciário em relação às notícias falsas nesta campanha eleitoral?
Acho que a gente depositou expectativa muito grande no Judiciário e parece também que ele quis assumir essa posição. A verdade ou a mentira não é objeto do Direito. Vira objeto quando se transforma em fraude. E, para isso, tem de ter dolo, intenção, vontade. E tem de ter dano, seja efetivo ou em potencial. Só a verdade ou a mentira não me parece que demanda decisão jurídica ou punição. Daí o quanto o Judiciário se envolve. O Judiciário, no Brasil, assumiu papel político crescente. E, nas eleições, esse papel é maior porque a Justiça Eleitoral não só julga como também administra as eleições. Por ela ter essa dupla função _ tanto de julgamento quanto de condução — cabe a ela papel ativo no sentido de divulgar as boas práticas para se evitar ambiente de desinformação, papel repressivo quando houver dano efetivo ou potencial ou dolo. Quanto ao Judiciário, extra Justiça Eleitoral, preocupo-me (com a situação) porque cria-se estigma de árbitro da verdade. Se houver algum árbitro, ele tem de ser da iniciativa da sociedade civil com o apoio da mídia em suas múltiplas faces. Não o Estado.
Uma iniciativa que promete ajudar no combate à desinformação na eleição 2018 é o Comprova. O projeto reúne jornalistas de 24 empresas de mídia no país e tem a participação de GaúchaZH. O objetivo é identificar e explicar rumores, conteúdo forjado e táticas de manipulação que possam influenciar a disputa. Conheça a iniciativa.
Então, o senhor não concorda com declarações recentes, inclusive do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luiz Fux, com relação à preocupação do Judiciário com fake news?
Quis fazer essa distinção porque a Justiça Eleitoral não é só "um Judiciário". No Brasil, a Justiça Eleitoral assume papel de executor do serviço público. Então, quando o presidente (do TSE, Luiz Fux) fala isso, se você o considerar como representante da atividade jurisdicional, está equivocado. Quando você o vê como chefe da administração pública eleitoral, está certo. Ele ocupa dupla função. Mas não me parece caber ao Judiciário a limpeza da internet. Só a Justiça Eleitoral, que é muito específica, tem o dever de dar execução as suas regras.
Qual vai ser o papel das redes sociais na campanha eleitoral?
Esta será a eleição mais conectada que as últimas, porém menos do que as próximas. A internet é crescente na política e nós, de alguma maneira, gostamos de fazer política na internet. A televisão e o rádio ainda têm muito espaço e, talvez, para as próximas eleições, que serão municipais, a internet faça muito mais diferença porque o pleito municipal praticamente não tem propaganda na televisão.
O que pensa sobre o termo fake news?
Esse é o motivo pelo qual a maioria dos estudiosos vem banindo a expressão fake news. A frase mais famosa de fake news é do presidente norte-americano, Donald Trump, qualificando uma pessoa como notícia falsa. A própria tradução é ruim porque a tradução para o português daria "notícia falsa" e, se é notícia, não pode ser falsa. É um paradoxo em si. Por isso, prefiro usar "notícias fraudulentas".
Como se preservar dessa onda de informações falsas sem se retirar das redes?
Sair da rede não é uma boa porque o combate à desinformação é a informação. E por mais que as redes possam trazer a desinformação, elas também trazem informação. Então, quanto mais informação, menos sujeitos à desinformação estaremos.
Em artigo, você afirma que somos mentirosos em maior ou menor medida e isso está no campo da ética, não do Direito. Esse traço é mais evidente no brasileiro?
Não é privilégio nosso (risos). No Brasil, mentira não gera necessariamente condenação. Não temos olhar jurídico para a mentira. Talvez, isso facilite porque as consequências podem ser menores no campo da punição, porém são maiores no campo da ética. Preocupo-me com o excesso de regulação no Direito. Toda vez que se define algo, restringe-se um direito. A regra deve ser a não regulação. Se formos regular tudo, inclusive a mentira e a verdade, a gente tem de rever inclusive a nossa conduta humana.