A pesquisadora Claire Wardle, uma das idealizadoras do Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 24 redações no combate à desinformação no período eleitoral, diz há uma guerra em curso e o jornalismo é um dos alvos de ataque. Crítica voraz do termo "fake news", ela ressalta a importância da colaboração e da educação para o combate aos conteúdos manipulados, forjados e criados para influenciar o resultado das eleições.
Confira abaixo entrevista concedida ao GaúchaZH durante o Congresso da Abraji, onde o projeto foi lançado, no final de junho. O site oficial do projeto entrou no ar no dia 6 de agosto.
Quais são os planos para as eleições brasileiras?
O Comprova é um projeto baseado na ideia de que o jornalismo deve colaborar para combater informações falsas e enganosas. Não faz sentido que cada redação coloque recursos na mesma informação falsa. Então, é como se criássemos uma agência, uma superredação de 24 veículos trabalhando juntos para liberar o conteúdo para quem quiser ler e publicar. Atuando juntos, temos mais recursos e a cobertura fica mais fácil. A escala de desinformação no Brasil é tão grande, que nenhuma redação consegue cobrir tudo. Trabalhando juntos, devemos ser capazes de cobrir os mais diversos elementos de desinformação.
A senhora tem dito que o projeto significa a reinvenção do jornalismo.
Hoje, quando o jornalismo está sob ataque, devemos pensar a maneira como trabalhamos de um modo completamente diferente. Se continuarmos fazendo jornalismo como sempre fizemos, vamos implodir. Nunca tantas redações trabalharam juntas, porque os veículos competem muito uns com os outros. Mas o jornalismo está em crise e, quando você está em crise, precisa reinventar o que está fazendo. Acredito que esse é um modelo para perguntar: “O que acontece se pararmos de competir?”. Os veículos nunca deixarão de competir sobre notícias urgentes, mas espero que quando se trate de verificar uma imagem falsa no Twitter, por exemplo, ninguém parta do início para isso. Devem ser capazes de trabalhar juntos. Esse é o plano.
Quando espalhamos desinformação, é como se jogássemos lixo da janela do carro enquanto estamos dirigindo. É como poluição. Todos temos de ter responsabilidade por um sistema de informação igualitário.
CLAIRE WARDLE
Diretora do First Draft e idealizadora do Projeto Comprova
A senhora defende que não se use o termo fake news. Por quê?
A primeira coisa é que, na verdade, não explica a complexidade do problema. Quando focamos na palavra “notícias”, esquecemos que muitos desses conteúdos são visuais e memes. Isso não é notícia. Quando usamos o termo “falso”, muitas dessas coisas são genuínas, mas usadas fora de contexto. São imagens antigas que passam a recircular, por exemplo. Então, quando você usa esse termo não está, de fato, descrevendo o sistema. O segundo ponto é que o termo tem sido usado como uma arma contra a mídia. Está sendo usado para nos atacar. Como jornalistas, devemos reconhecer que as palavras importam. E precisamos, como jornalistas, parar de usar esse termo porque ele está sendo usado com sucesso contra nós. O terceiro motivo é que o público pensa que o termo se aplica à grande mídia. Devemos parar de usar o termo porque é inútil e está sendo usado contra a gente.
Então, como deveríamos chamar esses conteúdos?
Trata-se de desinformação que as pessoas estão usando para causar prejuízos. É conteúdo enganoso, rumor... Há diversas palavras que podemos usar em vez de um termo que não funciona.
Qual pode ser o impacto da desinformação nas eleições brasileiras?
A desinformação é um problema real em sociedades polarizadas. Quando as pessoas estão divididas, elas estão bravas, emocionais e em tribos. Quando você tem reações emocionais para as informações, é quando para de usar o seu cérebro. Se a informação reforça o que você já acredita, não irá checar. É por isso que o Brasil é muito vulnerável. O país tem uso muito elevado de redes sociais, principalmente de WhatsApp, e é muito polarizado em questões sociais e culturais. As pessoas estão divididas. Por isso, é tão preocupante. É como se fosse um barril de pólvora, que uma única ação pode fazer pegar fogo. Há grandes rumores que, se circulam muito rapidamente, fica impossível trazer de volta. Se um rumor se espalha 48 horas antes da eleição, pode mudar o resultado. Essa é a minha preocupação.
Como o jornalismo pode auxiliar o leitor a não cair nesses rumores?
Precisamos ensinar às pessoas que elas são vulneráveis porque são emotivas. Como seres humanos, somo emotivos. Como seres humanos, sempre fofocamos. É uma condição humana. Se alguém lhe fala que fulano está tendo um affair, você não irá checar. Irá contar para mais alguém. Sempre fomos assim. Por isso, temos de falar ao público que, como seres humanos, somos vulneráveis aos rumores. Porque, agora, com os smartphones, todos nos tornamos publicadores. Como todos temos celulares, somos tão poderosos quanto a Globo ou The New York Times. Se estamos jogando lixo, estamos poluindo a informação. Devemos dizer ao público que todos temos responsabilidade. Então, se você vê alguém compartilhando desinformação, deve dizer “isso está causando prejuízos, nosso país está polarizado”. Temos de levar a sério porque, quanto mais acontecer, mais o país estará dividido. E o Brasil é uma democracia jovem. Vemos grandes problemas nos Estados Unidos, que são uma democracia desde 1776. Essa é outra preocupação. Devemos dizer às pessoas para terem cuidado. Devemos ver desinformação como uma arma. É como uma guerra.
O WhatsApp deve ser um dos principais canais de disseminação de notícias falsas nas eleições brasileiras?
Sim, porque, no WhatsApp, você está recebendo informações dos seus amigos e familiares, pessoas em que você confia mais. No Twitter, se você vê algo de um jornal, você pode confiar ou não. Quando recebe pelo WhatsApp, não sabe bem de onde veio a informação, mas está no seu celular e foi enviado por um amigo. Então, confia mais e tem uma tendência maior de repassar rapidamente para essas pequenas redes. É por isso que se torna mais problemático.