Escondida entre morros em uma localidade erma de Maquiné, no Litoral Norte, embora poucas pessoas saibam, desponta a mais alta cachoeira do Brasil. Encravada em um ponto quase inacessível de um território indígena, a queda d'água batizada como Porã conta com altura de 450 metros, mensurados com rigor científico no começo de 2023 e divulgados no final do ano passado em uma lista do Ministério do Turismo.
A equipe responsável pela descoberta, vinculada a um projeto privado chamado Cachoeiras Gigantes, há poucas semanas conseguiu autorização do governo federal para receber recursos via leis de incentivo e, em uma primeira etapa, ser capaz de estender as medições a mais de 60 grandes quedas d'água da bacia do Rio Tramandaí. Graças a isso, uma expedição deverá retornar à Porã para fazer um inventário ambiental da preciosidade natural entalhada na geografia litorânea gaúcha.
— Vamos fazer a captação de áudio das aves e do som ambiente e, também, coletar imagens utilizando inclusive drones que são os mesmos que os estúdios de Hollywood usam para captar imagens aéreas — conta o fundador e diretor do projeto, Leomar Teichmann.
O esforço não se limitará à cascata de Maquiné. Nessa primeira fase, a partir de março, o grupo deverá medir e documentar o entorno de quedas d'água em 14 municípios do Litoral Norte. O plano, no longo prazo, é percorrer as 600 maiores cacheiras do país e inserir informações, sons e imagens captados em um portal na internet a ser batizado como Museu Virtual das Cachoeiras Gigantes — no qual a Porã terá lugar de destaque por sua imensidão vertical.
Situada na localidade de Linha Pinheiro, que recebe esse nome por conta do Rio Pinheiro, a cascata é de difícil acesso. Para chegar ao topo, Teichmann e os outros sete integrantes da comitiva precisaram de três tentativas, já que não existe trilha em meio à mata fechada. A cada esforço frustrado, usavam imagens de satélite para tentar traçar novas rotas até o destino desejado.
— Nem o guia da região sabia como chegar lá — conta Teichmann.
Na terceira e última incursão, andaram sete quilômetros até alcançar a queda. Começaram a descida, utilizando técnicas de rapel e canionismo, às 9h e chegaram à base somente às 18h. Depois disso, ainda tiveram de percorrer mais dois quilômetros rio abaixo até alcançar o ponto onde é possível chegar de carro.
A cachoeira é tão grande e inclinada que, estando ao pé dela, não é possível vislumbrar o topo. Para isso, o melhor é ficar no ponto mais acessível e registrar a extensão do véu de água com um drone de grande autonomia e alcance. A descoberta de que a cascata se estende ao longo de quase meio quilômetro pegou de surpresa até antigos moradores ou frequentadores das imediações.
— Eu nasci numa casa em um desses morros, e ainda venho para cá com frequência. Cresci admirando essa cachoeira, mas não fazia ideia de que era a maior do país — surpreende-se a cabeleireira Fátima Bitencourt, 50 anos.
Em princípio, a Porã divide o título de maior altura com a Cachoeira da Neblina, no Rio de Janeiro, que também teria 450 metros. Porém, conforme Teichmann, essa distância foi medida com o uso de técnicas menos precisas, como a extensão de corda utilizada para descer pela linha d'água. Como a corda pode se esticar um pouco durante a prática do rapel, há uma pequena margem de erro.
— Nós utilizamos equipamentos topográficos e dados de satélite. Vamos medir a Cachoeira da Neblina, usando essas mesmas técnicas, na terceira etapa do projeto Cachoeiras Gigantes — revela Teichmann.
Paixão que vem da infância
O fascínio de Leomar Teichmann por quedas d'água o acompanha desde a infância, no interior do município de Cândido Godói, no noroeste do Estado.
— Próximo da minha casa tinha uma cascatinha, uma cachoeirinha ali de uns 2m de altura que eu já achava um negócio sensacional. E aí, sempre que podia, eu dava uma fugida de casa e, quando meus pais iam me achar, eu estava lá do lado daquela cascatinha — recorda o engenheiro civil, ex-diretor- geral adjunto do Departamento Municipal de Águas e Esgotos (Dmae) da Capital entre 2019 e 2021.
Com o passar do tempo, uniu a paixão infantil pelas cachoeiras com o conhecimento garantido pela engenharia, e passou a percorrer esse tipo de formação geológica. Quando questionou autoridades oficiais para saber quais eram as maiores quedas do país, ficou surpreso ao descobrir que ninguém compilava esse tipo de dado.
— No IBGE, me disseram que não tem nada disso catalogado. No Exército também não tinha nada. Órgão nenhum do governo. Aí eu disse: bom, vamos nós começar a fazer esse tipo de medição — complementa o engenheiro.
Agora, Teichmann e o grupo com o qual ele trabalha pretendem propor, em nível internacional, um modelo padronizado para catalogação de cachoeiras. Isso vai possibilitar que as quedas d'água sejam corretamente classificadas e medidas, independente do local onde se encontrem.