Por Ana Carolina Peuker
Psicóloga, CEO da Bee Touch. Diretora da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV) e consultora de saúde mental do Pacto Global da ONU
Anualmente, no décimo dia do mês de outubro, o mundo todo é convocado a assumir um compromisso que deve se estender por todos os dias do ano. O Dia Mundial da Saúde Mental foi proposto pela World Federation for Mental Health, organização dedicada à promoção e ao tratamento da saúde mental em todo o mundo. A data foi organizada pela primeira vez em 1992, com a participação de mais de 150 países. A iniciativa foi proposta por Richard Hunter, vice-secretário-geral da entidade na época. O dia era comemorado sem nenhum tema específico; seu foco principal era educar as pessoas sobre as questões gerais de saúde mental. A partir de 1994, passou a ser comemorado com base em um tema.
Neste ano, o tema é “A saúde mental é um direito humano universal”. Trata-se de uma oportunidade para que a sociedade se una em torno da campanha, neste ano fortalecendo a conscientização sobre a importância da saúde mental e a sua difusão como um direito humano universal.
O objetivo da mobilização é ampliar o conhecimento, aumentar a sensibilização e impulsionar ações que promovam a saúde mental de todos como um direito humano básico para todas as pessoas. Afinal, temos o direito de viver uma vida com dignidade, igualdade e respeito. No entanto, ainda persistem o estigma, a discriminação e as violações aos direitos humanos. Por isso, educar as pessoas sobre o tema é importante para reduzir o estigma atrelado aos transtornos mentais, favorecer a busca de ajuda precoce, incentivar as pessoas a apoiar a causa. Além disso, devemos estimular a criação de ambientes mentalmente saudáveis e seguros nos mais diversos contextos, incluindo empresas, entidades de ensino, organizações públicas e privadas, famílias, entre outros.
Considerar a saúde mental um direito humano universal relaciona-se ao direito básico de ter proteção contra riscos de deterioração da saúde mental, ao direito a cuidados disponíveis, acessíveis, aceitáveis e de boa qualidade, e ao direito à liberdade, à independência e ao pertencimento à comunidade. Ter um problema de saúde mental jamais deve ser motivo para privar uma pessoa dos seus direitos humanos ou para excluí-la das decisões sobre sua própria saúde. No entanto, em todo o mundo, as pessoas com esses tipos de problemas continuam a sofrer violações. Diversos são excluídos e marginalizados da sociedade, enquanto outros não têm oportunidade de acesso aos cuidados de saúde mental de que necessitam ou, em alguns casos, ficam à mercê de serviços e atendimentos desumanos, que violam seus direitos, incluindo práticas coercitivas, violência e abuso – nos próprios ambientes de saúde, nos quais deveriam estar protegidas.
Uma boa saúde mental é vital para o nosso bem-estar. Apesar disso, uma em cada oito pessoas vive com problemas de saúde mental no mundo, o que pode repercutir na sua saúde física, no seu bem-estar geral, na maneira como se relaciona com os outros e nos seus meios de subsistência. As condições de saúde mental também afetam um número crescente de adolescentes e jovens. A saúde mental desempenha papel central na formação de uma nação saudável. Acontecimentos globais recentes e sem precedentes, como a pandemia e as guerras, contribuíram para agravar uma crise global de saúde mental, já anunciada pelo Fórum Econômica Mundial (FEM).
A entidade adverte para o risco de “policrises”, que são um conjunto de riscos espalhados pelo globo, como os eventos climáticos extremos, os confrontos geoeconômicos, o adoecimento mental e a erosão da coesão social, entre outros – relacionados e que se mesclam, com o impacto total superando a soma de cada parte. Por isso, a FEM pontua a importância da cooperação a fim de se reforçar mais o preparo para lidar com os riscos. Sem dúvida, estamos diante de uma grande crise, que ameaça o desenvolvimento sustentável, assim como os riscos das mudanças climáticas. Nesse caso, não é o derretimento das placas polares, nem as altas temperaturas, já observadas ao redor do planeta. Trata-se da crise de energia humana, que já tem sido evidenciada no crescimento das altas taxas de burnout, depressão e suicídio. A saúde mental é um tema crítico para o futuro da humanidade.
Milhares de pessoas em todo o mundo são afetadas por problemas desta ordem, o que requer a participação ativa das organizações e dos diversos steakholders, incluindo políticos, investidores, empresários e mobilizadores sociais, para ajudar a combater a lacuna de tratamento e a infraestrutura necessários para apoiar a sustentabilidade humana. Os países devem estabelecer regulações em prol da saúde mental como um direito humano fundamental e, concomitantemente, coibir as práticas que violam os direitos humanos. Incluindo o estabelecimento de leis de saúde mental que se alinhem aos princípios dos instrumentos internacionais de direitos humanos, como a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CRPD) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (UDHR).
Nesse contexto, o Dia Mundial da Saúde Mental desempenha um papel crucial ao convocar a sociedade para se mobilizar contra os problemas de saúde mental, organizando campanhas de sensibilização e envolvendo mais pessoas para compreendê-los. É preciso unir esforços para garantir que a saúde mental seja valorizada para além de um dia ou um mês no ano. Medidas urgem ser tomadas para que todos acessem os cuidados em saúde mental de qualidade de que necessitam e têm direito.