Lista que nenhum Estado gostaria de liderar, o Rio Grande do Sul registra, historicamente, as maiores taxas de suicídio do país. Segundo o Informe Epidemiológico Suicídio e Lesão Autoprovocada divulgado pela Secretaria Estadual da Saúde (SES), com números preliminares, em 2022 houve 1.560 mortes no RS, o que equivale a uma taxa de 14,4 por 100 mil habitantes, a maior da série histórica apurada desde 2010. O índice nacional é de nove a cada 100 mil.
O levantamento demonstra que, no período entre 2010 e 2019, houve aumento da incidência em todos os grupos etários, com destaque para adolescentes entre 15 e 19 anos. Essa faixa de idade, em ambos os sexos, apresentou, entre 2020 e 2021, a maior taxa de mortalidade por suicídio, chegando a 25 para cada 100 mil habitantes, um número que vai diminuindo à medida que a faixa etária avança.
Para o psiquiatra Manoel Garcia Junior, essa é uma faixa etária de habitual vulnerabilidade emocional, potencializada pelo isolamento durante a pandemia, que aflorou problemas de saúde mental e transtornos alimentares e bipolares.
— O bullying também é um fator diretamente ligado aos suicídios nesta idade. As famílias mudaram, assim como os conflitos entre parentes, há abusos, casos de violência, e há muita falta de habilidade de enfrentamento aos problemas. Aliado a tudo isso, os adolescentes têm mais acesso a meios letais do que antes — explica o especialista, coordenador do Serviço em Saúde Mental do Hospital Universitário Canoas.
Mais casos entre os homens
Entre os casos registrados no RS, 80% são de pessoas do sexo masculino. Segundo o informe, a taxa de mortalidade dos homens aumenta conforme avança a faixa etária, elevando, também, a diferença em relação ao sexo feminino. Foi observado, ainda, crescimento nas ocorrências envolvendo idosos entre 70 a 79 anos e 80 anos ou mais, a partir de 2019.
Garcia Junior lembra que o número de homens que tiram as próprias vidas ser maior que o das mulheres é algo conhecido há alguns anos, porém, o mesmo não ocorre quando se observam as tentativas. Segundo ele, “para cada cinco tentativas, quatro são de mulheres e uma é de um homem”.
Segundo o médico, há uma tendência da população masculina em utilizar métodos mais violentos e, com isso, cresce a possibilidade de letalidade. Por se tratar de um tema complexo, Garcia elenca uma série de fatores que resultam em números como os citados no início da reportagem. Entre eles estão patologias mentais, o uso de substâncias químicas e o grau de impulsividade da pessoa.
As famílias mudaram, assim como os conflitos entre parentes, há abusos, casos de violência, e há muita falta de habilidade de enfrentamento aos problemas
MANOEL GARCIA JUNIOR
Psiquiatra e coordenador do Serviço em Saúde Mental do Hospital Universitário Canoas
— Além disso, tradicionalmente, os homens têm mais dificuldades de expressar seus sentimentos — enfatiza o especialista, que cita ainda o prejulgamento quando o assunto é buscar ajuda — Por isso, há muito menos homens em consultórios do que mulheres — completa Garcia Junior.
A importância da notificação
De 2011 a 2022, 251.684 casos de violência interpessoal/autoprovocada foram notificados no Estado. Em 2020 e 2021, primeiros anos da pandemia, houve uma queda significativa das taxas de notificação: 33,5% na comparação com o ano anterior. Já em 2022, foi registrado um aumento de 13,5% em relação a 2021, sugerindo uma retomada do crescimento registrado no período pré-pandêmico.
O estudo traz recomendações para os gestores de saúde regionais e municipais sobre a importância da notificação dos casos e o papel dos serviços da Atenção Primária em Saúde (APS) e Atenção Secundária para a identificação do comportamento suicida, a fim de possibilitar uma avaliação de risco adequada e evitar a evolução dos casos.
— Esse informe epidemiológico dá embasamento para a construção da política pública a partir da demanda, demonstrando diretamente onde devemos incidir de maneira mais atuante — afirma a psicóloga Kátia Rodrigues, da Política de Saúde Mental do Departamento de Atenção Primária e Políticas de Saúde (DAPPS), da SES.
O levantamento divide as taxas de notificação por 100 mil habitantes de lesão autoprovocada no RS por Coordenadoria Regional de Saúde. As regiões que mais notificaram casos foram a oitava (Cachoeira do Sul), 16ª (Lajeado) e 13ª CRS (Santa Cruz do Sul). A 12ª CRS (Santo Ângelo) foi a coordenadoria com menor taxa: 38,8 por 100 mil habitantes. Entre 2018 e 2022, 69,5% dos municípios gaúchos realizaram alguma notificação. Em 2019, foram 78,8% das cidades, maior percentual registrado em toda a série histórica.
Prevenção ao suicídio
Entidade sem fins lucrativos, existente no Brasil desde 1962, o Centro de Valorização da Vida (CVV) presta apoio emocional, a partir de conversas com que precisa e quer desabafar. Segundo a porta-voz regional, Liziane Eberle, a organização não faz estatísticas sobre o trabalho realizado.
— As pessoas são atendidas por voluntários que passam por treinamento e conversam sem julgamento, sem preconceito, com respeito, acolhimento e atenção. Não sabemos se foi homem ou mulher que ligou, que idade tem, que problema trouxe — diz ela.
Segundo Liziane, cada voluntário doa quatro horas semanais para este trabalho e não comenta sobre sua demanda com outro colega. O CVV colabora o ano todo na prevenção do suicídio, se colocando à disposição 24 horas por dia, todos os dias.
Para entrar em contato, é possível ligar para o número gratuito 188, por e-mail ou chat acessado pelo site. As ligações são sigilosas e anônimas.