A discussão sobre saúde mental e suicídio nas universidades tem mobilizado diferentes agentes, como professores, técnicos, gestores e, claro, estudantes. A complexidade do problema obriga discussões profundas na própria fundamentação das instituições de Ensino Superior. Fatores como a nova fase de vida que representa o curso universitário, somada ao imediatismo da contemporaneidade e ao legado de uma pandemia, influenciam essa realidade.
O psicólogo e professor do Departamento de Psicologia Social e Institucional da UFRGS Moises Romanini relaciona o atual quadro ao já verificado em 2019, que apontava para a ampliação do acesso ao Ensino Superior sem a revisão de bases fundamentais. Assim, as instituições ganharam outro perfil de estudante, mas não repensaram seus currículos e suas práticas pedagógicas.
Hoje, o responsável pelo Programa de Extensão Movimento Educação e Saúde Mental (Medusa) observa um sentimento de esgotamento também nos servidores, com desconexão entre colegas e universidade. Além disso, os especialistas tentam entender um novo fenômeno: a universidade parece estar se transformando em um lugar de passagem dos estudantes, que apenas vão à aula e retornam. Assim, teria perdido parte da potencialidade de socialização.
A sensação de que faltava um espaço para a convivência durante a pandemia se manteve no retorno às aulas. Ao mesmo tempo, há sede por relações presenciais.
— As pessoas parecem muito desconectadas entre si, apressadas, querendo concluir o mais rápido possível os cursos. Isso tira toda a magia da vida acadêmica. E há uma dificuldade grande com o sentimento de pertencimento — afirma Romanini, ressaltando que a universidade precisa "se repensar".
No mesmo sentido, Marina Pombo, psicóloga, psicanalista e conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Estado (CRPRS), considera que tragédias como o suicídio estão diretamente relacionadas à falta de um laço social coletivo. Especialistas e professores concordam que há um processo de individualização em andamento.
— O sujeito acha que tem de dar conta de tudo, que é péssimo, não vai conseguir, e vai entrando em um desespero individual, de um discurso que tem de ser autônomo, lidar com as coisas sozinho, ou "não se desenvolveu bem" — afirma a psicanalista, citando a pressão da autopromoção nas redes sociais e da cultura do cancelamento.
O papel na prevenção
Toda pessoa com contato direto com grupos populacionais tem um papel na prevenção do suicídio — o que inclui colegas e professores. Romanini lembra que ter uma relação cordial, afetiva e acolhedora é produzir saúde mental. O professor ressalta que é preciso abrir espaços de diálogo para os estudantes. Ao mesmo tempo, entende que há turmas com cerca de 50 alunos, que se encontram uma vez por semana, e que é difícil identificar sinais em meio à correria do cotidiano. Há, portanto, uma limitação no papel do professor. Além disso, existem pessoas que não demonstram sinais, e não há motivo para a culpabilização de professores.
A reportagem conversou com docentes da UFRGS e da UFCSPA. Chefe do Departamento de Engenharia Química da UFRGS, a professora Ligia Marczak não recorda de conversas sobre suicídio ou momentos de escuta nas aulas antes do acontecimento recente registrado com um aluno da unidade. Além disso, afirma que os docentes não receberam orientações da universidade sobre como proceder – procurada, a UFRGS não se manifestou sobre o assunto. Agora, a Escola de Engenharia instituiu um grupo de trabalho para buscar formas de ajudar. A professora compartilha da percepção de que essa geração tem características particulares, que trazem ainda mais dificuldades:
— Essa turma que chegou agora, a gente percebe que eles não têm grupos de amigos e conversam pouco nas aulas. Os jovens de hoje estão muito individualistas, está faltando amizade, grupos de estudo, que a gente via no passado. A gente os vê muito fragilizados, e mais ainda pela pandemia.
A docente ressalta que os alunos não costumam procurar os professores nem os colegas, o que também considera um reflexo do individualismo. Ainda, percebe dificuldades em lidar com a pressão do estudo e do trabalho, e entende que a universidade precisa se adaptar a essa nova realidade. A observação dialoga com outra preocupação dos alunos percebida por psicólogos de instituições de ensino: o mercado de trabalho após a formatura.
Inspiração que vem de fora
A gente percebe que eles não têm grupos de amigos e conversam pouco nas aulas. Os jovens de hoje estão muito individualistas, está faltando amizade, grupos de estudo, que a gente via no passado. A gente os vê muito fragilizados, e mais ainda pela pandemia.
LIGIA MARCZAK
Chefe do Departamento de Engenharia Química da UFRGS,
Ainda que as universidades gaúchas já tenham criado serviços de acolhimento e atendimento psicológico, há exemplos fora do Estado que podem servir de inspiração. A Universidade de São Paulo (USP), uma das maiores do país, informa que inaugurou, no ano passado, uma sede para o Programa Ecos – Escuta, Cuidado e Orientação em Saúde Mental, uma iniciativa que oferece acolhimento e orientação para as demandas da comunidade universitária. A intenção é também manter uma estrutura de acolhimento inicial em todas as unidades. Há ainda a proposta de formar membros da comunidade universitária para atuar como escutadores, compondo brigadas de saúde mental.
Reconhecido como uma das melhores universidades do mundo, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA, tem um amplo espaço online com informações sobre os serviços oferecidos. O site destaca como obter ajuda em situações de urgência, além de permitir a marcação de avaliações e consultas. A instituição indica quem são os profissionais do serviço de aconselhamento e seus contatos, realiza tratamentos breves (como aconselhamento, psicoterapia e medicação) e fornece recursos de autocuidado. Também fornece conselhos para quando há preocupação com um amigo, colega ou aluno, bem como ajuda departamentos que lidam com eventos traumáticos.
O dever das universidades
De modo geral, a conscientização das universidades de que é preciso criar serviços de atenção psicológica para os universitários já está em andamento há algum tempo. Na maioria dos casos, os alunos são encaminhados para serviços externos. Porém, como frisam os especialistas, é preciso lembrar que o papel desses estabelecimentos é ensinar, e não oferecer tratamentos de saúde mental. Por isso, é necessário ter um serviço para acolher e orientar, além de dispositivos que amparem os estudantes, como aponta Moises Romanini. No entanto, é preciso pensar em alternativas junto à rede de saúde.
A luta, portanto, não depende só das universidades, mas de iniciativas e recursos do governo. Essas são justamente algumas das dificuldades em lidar com saúde mental hoje, de acordo com especialistas: os serviços de saúde estão lotados e, muitas vezes, com equipes precarizadas. Assim, com frequência, não é possível encaminhar alunos à rede pública. No último dia 1º, havia 171 adultos de até 30 anos aguardando pela primeira consulta especializada de saúde mental no Estado (sem considerar municípios com gestão plena da saúde e regulação própria), de acordo com a Secretaria Estadual da Saúde. Em Porto Alegre, 3.875 pessoas de 18 a 44 anos aguardavam por consultas, enfrentando, em média, 200 dias até serem convocadas, conforme a Secretaria Municipal da Saúde.
— Em alguns momentos pode ser que tenha espera, mas o atendimento básico sempre vai ter. A demanda é grande, a gente sabe, porque a gente vive também um momento de retomada, muitas pessoas perderam muita coisa na pandemia — afirma Fernanda Mielke, especialista em Saúde da Política Estadual de Saúde Mental.
Ela destaca que, dentro do Comitê Estadual de Promoção da Vida e Prevenção do Suicídio, há um grupo envolvido com a questão dos universitários, a pedido das próprias instituições.
Porém, mesmo com os serviços ofertados pelas universidades, as iniciativas são insuficientes, na avaliação dos psicólogos, psiquiatras, professores, alunos e diretórios acadêmicos da UFRGS, PUCRS e Unisinos consultados por GZH. Os alunos da UFRGS, por exemplo, são pouco familiarizados com os serviços de saúde mental da instituição, e, quem os conhece, relata que é difícil acessá-los.
As universidades estão prontas? Não, concordam em uníssono as pessoas ouvidas pela reportagem. Mas, na opinião de Marina Pombo, são o lugar que mais está pronto, pois, nos campi, há espaço para reivindicações, algo mais restrito em outros ambientes, como no mercado de trabalho.
Procure ajuda
Diferentes instituições de ensino do RS oferecem serviços e espaços de acolhimento e escuta. Veja como acessá-los aqui.
Caso você esteja enfrentando alguma situação de sofrimento intenso ou pensando em cometer suicídio, pode buscar ajuda para superar este momento de dor. Lembre-se de que o desamparo e a desesperança são condições que podem ser modificadas e que outras pessoas já enfrentaram circunstâncias semelhantes.
Se não estiver confortável em falar sobre o que sente com alguém de seu círculo próximo, o Centro de Valorização da Vida (CVV) presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato. O CVV (cvv.org.br) conta com mais de 4 mil voluntários e atende mais de 3 milhões de pessoas anualmente. O serviço funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados), pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil (confira os endereços neste link).
Você também pode buscar atendimento na Unidade Básica de Saúde mais próxima de sua casa, pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), no telefone 192, ou em um dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do Estado. A lista com os endereços dos CAPS do Rio Grande do Sul está neste link.