Mais antiga do que a própria Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que existe há 88 anos, a Faculdade de Medicina (Famed) completa 125 anos neste mês, com uma programação especial (confira ao final desta reportagem). A relevância da unidade se evidencia no cotidiano: importantes ruas de Porto Alegre homenageiam ilustres alunos ou professores da faculdade, como Cristiano Fischer, Heitor Annes Dias, Eduardo Sarmento Leite da Fonseca, Jacinto Gomes e Protásio Alves.
Diversos egressos e professores já ocuparam cargos como prefeito, governador, deputado, senador, presidente de associações médicas e reitor da universidade. Entre os mais de 12 mil médicos formados pela Famed, destacam-se personalidades como o Dr. Mário Rigatto, um dos precursores da luta contra o tabagismo no país.
— A Famed é absolutamente importante no desenvolvimento da cultura e da própria sociedade do Rio Grande do Sul. Sempre se caracterizou por estar muito cientificamente embasada, então as informações que saem da faculdade são muito confiáveis — pontua a médica e diretora da Famed, Lucia Kliemann.
Uma marca importante, na visão de Lucia, é a busca pelo desenvolvimento desse sentimento e dessa postura nos alunos. A missão fundamental da instituição é formar profissionais competentes para atender as necessidades de saúde da população, destaca.
— A qualidade da formação dos nossos alunos realmente é uma coisa que nos orgulha. Nosso compromisso com a produção de conhecimento. Não é só repetir o que os outros fazem, a gente gera conhecimento, e isso é muito importante — enfatiza.
Marcos históricos
Hoje, a faculdade é composta pelas graduações em Medicina e Nutrição, com notas altas no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), bem como pelos cursos de pós-graduação, entre os quais quatro obtiveram avaliações de excelência junto à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Essa trajetória começou a ser construída em 25 de julho de 1898, com a fundação da faculdade, a partir da união da Escola Livre de Farmácia e Química Industrial e do Curso de Partos da Santa Casa de Misericórdia, constituindo a terceira escola médica do país. Sua fundação ocorreu pela mobilização de figuras como Protásio Alves, Cristiano Fischer, entre outros.
Já na primeira turma de Medicina havia uma mulher entre os seis formandos. Contudo, ao longo dos primeiros 25 anos da instituição, apenas 1,4% dos formandos eram mulheres — número que, hoje, chega a 50%. Além disso, foi apenas em 2017 que a primeira mulher assumiu a Direção da unidade.
— Hoje a enorme maioria dos cargos de liderança também está com mulheres, e isso é muito importante. Estamos virando a página — ressalta a diretora, que permanece no cargo até hoje.
Entre as muitas mãos que escreveram e escrevem essa história, a médica Maria Lúcia Oppermann, tem 48 dos seus 66 anos, ligados à Famed. Primeiro como aluna, em 1975, ainda no antigo edifício localizado na Rua Sarmento Leite; depois, em 1981, como residente de Ginecologia e Obstetrícia na maternidade recém-inaugurada do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) — da qual é chefe há 10 anos; passando à médica contratada; e, finalmente, como professora da Famed, desde 1990, evoluindo nos graus da docência: de auxiliar de ensino a assistente, adjunto, associado e, por fim, titular. Concomitantemente, realizou seu mestrado e doutorado na Famed — participando, inclusive, da primeira turma do doutorado em Epidemiologia.
Portanto, apesar de ter chegado a conhecer outras realidades em hospitais privados, Maria Lúcia nunca saiu do Hospital de Clínicas nem da Famed. Ao longo dessas quase cinco décadas, assistiu a grandes momentos da faculdade, como o centenário e a inauguração de novos prédios do HCPA, com um novo e moderno bloco cirúrgico, além de um andar inteiro dedicado à simulação para o ensino da Medicina, com ferramentas tecnológicas — o que considera importante.
— Não sei dizer o que eu seria se não fosse médica. Eu vivo com isso, trabalho com isso, sou médica e professora, e essas duas coisas se confundem, isso é minha vida — avalia, atribuindo essa realidade à Famed.
A professora destaca a importância ética da instituição:
— É uma coisa muito valorizada tanto na Famed quanto no HCPA aquela necessidade de fazer o melhor, porque simplesmente não existe outra maneira.
A diretora Lúcia destaca, ainda, dois feitos importantes da Famed ao longo dos últimos 25 anos na saúde pública: a participação da Famed no combate à epidemia de H1N1 e à pandemia de covid-19. A faculdade não parou durante a crise sanitária de coronavírus e criou uma força-tarefa, com teleconsultas, ações para auxiliar os intensivistas, entre outras medidas.
Pesquisa e inovação
Entre as frentes de atuação da faculdade estão a pesquisa e a inovação. Os grupos de pesquisa produzem publicações nacionais e internacionais de impacto. Diversos professores estão entre os maiores pesquisadores do mundo, sendo citados nos melhores rankings de produção científica mundial, como o cardiologista Flávio Fuchs e a epidemiologista Maria Inês Schmidt.
— O compromisso com a ciência e com a qualidade é realmente uma marca importante — frisa a diretora.
Para a professora Maria Lúcia, a Famed perdeu um pouco de seu protagonismo em termos de inovação tecnológica, devido a perdas significativas de verba nos últimos anos. Mesmo assim, a instituição busca manter a qualidade e está investindo, agora, em novas salas de aula, com alta tecnologia.
Desafios atuais
Atualmente, a equipe da faculdade está preocupada com a promoção da saúde mental entre os alunos. Para lidar com o problema, a instituição oferece consultas psiquiátricas e 10 modalidades de esporte. A unidade promove também uma contínua capacitação docente.
Os principais desafios envolvem verbas, para garantir a manutenção de alunos de baixa renda; que o restaurante universitário funcione nas férias, devido ao calendário diferenciado da faculdade; a inclusão de mais alunos em bolsas de monitoria ou de pesquisa; e que as pessoas possam permanecer na faculdade com condições de estudar, com equipamentos adequados e livros. A diretora também ressalta a importância de ambientes saudáveis:
— As pessoas têm de ser felizes, se não é feliz, não estuda. Se tem fome, não estuda. Se não tem segurança para dormir, não consegue aprender direito.
A médica destaca ainda a dificuldade relacionada ao isolamento social de alunos de outros Estados, citando como exemplo aqueles que vêm de regiões com a presença do Sol o ano inteiro e que precisam enfrentar o inverno sozinhos em um quarto ou apartamento.
Outro grande desafio é ensinar a estudar, conforme a diretora, visto que o conhecimento muda muito rápido. Por isso, é importante que os alunos aprendam a estudar, para que consigam se manter atualizados e identificar novidades importantes em seu campo.
A professora Maria Lúcia acrescenta que é desafiador conseguir captar e manter a atenção dos alunos. Além disso, para ela, é preciso adaptar o ensino médico à realidade atual, na qual pacientes e suas condições clínicas mudaram, e começar a pensar em uma forma de comunicação mais eletrônica.
Programação
Para celebrar os 125 anos da faculdade, uma programação especial será desenvolvida ao longo do mês. Confira:
- Quarta-feira (12) - Famed 125 anos: Com Cultura e Arte - exposições culturais e artísticas da comunidade da Famed - no prédio da Famed (Ramiro Barcelos, 2400), 2º e 4º andar, das 10h30min às 13h
- 25/07 - Famed 125 anos: Passado, Presente e Futuro - celebração institucional com homenagens, premiação e lançamento do livro Famed 125 anos - no Prédio Histórico da Famed (antigo ICBS – esquina da Rua Sarmento Leite com a Eng. Luiz Englert)
- Exposição “Faculdade de Medicina de Porto Alegre: 125 anos de História” - pode ser visitada no Museu de História da Medicina no Rio Grande do Sul (Av. Independência, 270), de segunda à sexta-feira, das 10h às 18h