Passados 10 anos desde que uma decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a obrigatoriedade de aceitação do registro de casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o Brasil, completados neste domingo (14), 3.096 casais já fizeram uso dessa permissão no Rio Grande do Sul.
Apesar da mudança de interpretação, o país jamais aprovou uma lei específica que garanta a igualdade de condições em relação aos casamentos entre homem e mulher — o que aumentaria a segurança contra eventuais retrocessos.
Em 14 de maio de 2013, o CNJ publicou uma resolução que garantiu a possibilidade de casamento homoafetivo ao determinar que tabeliães e juízes fossem proibidos de rejeitar esse tipo de união. A medida se baseou em uma decisão anterior, tomada em 2011 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu por unanimidade a união estável entre casais do mesmo sexo como "entidade familiar".
Os números da Central de Informações do Registro Civil, base de dados nacional de nascimentos, casamentos e óbitos administrada pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil, que reúne os 7.757 Cartórios de Registro Civil do país) mostram uma progressiva recuperação na quantidade de uniões homoafetivas formalizadas no Rio Grande do Sul desde a eclosão da pandemia.
Houve 253 registros no Estado em 2020, 344 no ano seguinte e 436 ao final de 2022 — segundo maior patamar anual desde a mudança na jurisprudência. O recorde foi alcançado em 2018, quando a ascensão do conservadorismo ao longo da campanha presidencial estimulou muitos casais a formalizarem o relacionamento por receio da eventual imposição de leis mais restritivas nos anos seguintes. Ainda há quem tenha receio de possíveis retrocessos.
— Há projetos no Congresso, por exemplo, que procuram diferenciar a união entre pessoas do mesmo sexo daquela entre homem e mulher — afirma o advogado com histórico de atuação na causa LGBT+ Bernardo Amorim.
Uma dessas propostas, por exemplo, defende que uma relação entre pessoas do mesmo gênero não pode ser equiparada a um casamento ou a uma família (devendo ser classificada no patamar de união estável).
— Esse tipo de diferenciação é muito problemático porque, do ponto de vista jurídico, uma união estável e uma união civil têm diferenças envolvendo questões previdenciárias e sucessórias. Uma certidão de casamento dá outro poder em relação a essas esferas administrativas — afirma Amorim.
Diretor da ONG Somos, Caio Klein avalia que mesmo uma eventual legislação mais restritiva acabaria sendo considerada inconstitucional.
— O que garante esse direito (à união homoafetiva) é a interpretação constitucional da nossa legislação civil — argumenta Klein, reconhecendo, porém, que a confirmação disso em forma de lei seria um avanço adicional.
O diretor da Somos observa que, como o Congresso brasileiro costuma ter um perfil conservador, seguidamente é o judiciário que garante à população LGBT+ direitos como o casamento, a possibilidade de mudança de nome para pessoas trans ou a doação de sangue por parte de homossexuais.
No cenário atual, os 436 casamentos homoafetivos verificados no ano passado no Estado representam um crescimento de três vezes em relação aos 150 registros feitos no primeiro ano de vigência da norma emitida pelo CNJ — com a ressalva de que a medida passou a vigorar apenas na metade de maio de 2013.
— A norma passou a garantir aos casais homoafetivos o direito de se casarem nos cartórios de registro civil. Além disso, ao casarem, os casais homoafetivos adquirem todos os direitos do casamento convencional, o que resultou em um grande avanço na garantia da igualdade de direitos nos casamentos realizados entre pessoas do mesmo sexo — destaca o presidente da Arpen no Rio Grande do Sul, Sidnei Hofer Birmann.
Os matrimônios entre casais femininos representam 56,4% dos registros no Estado, contra 43% de uniões masculinas, de acordo com a Arpen/RS.