"É o nosso grito por liberdade e por respeito à nossa existência". Para Delano Raimundi, este 28 de junho, Dia Internacional do Orgulho LGBT+, é uma data para reafirmar a importância de uma luta que dura o ano todo. A data também reconhece o caminho que já foi traçado pela comunidade LGBT+, serve para aprender com o que foi vivido e pensar novas possibilidades junto com as novas gerações de jovens, que têm trazido como marcas fortes a contestação de rótulos e a demanda por liberdade sobre os seus corpos, ressalta a psicóloga Manoela Medeiros, diretora técnica da ONG Somos.
Para grande parte desses jovens, muitos membros da chamada "Geração Z", questões como a liberdade de expressão da sua existência e a defesa dos direitos e das liberdades da comunidade LGBT+ são centrais. Essa classificação geracional abrange os nascidos em um mundo com internet, entre a segunda metade de dos anos 1990 até 2010.
Conforme a análise do sociólogo Dario Caldas, diretor da consultoria em tendências e comportamento humano Observatório de Sinais, enquanto a geração dos "millennials" (nascidos entre 1980 e a primeira metade dos anos 1990) pode ser entendida como a de grandes idealizadores de um mundo melhor, os "Z" são mais pragmáticos diante da vida e tendem a valorizar mais questões como emprego, posses e saúde mental. Um ponto, porém, os coloca como sucessores diretos dos millennials: a defesa da liberdade de ser e de amar.
— Não há dúvida de que é a geração mais tolerante de todas, na qual questões como diversidade e inclusão são valores centrais, e não acessórios. Temos que dar o crédito aos "millennials", que começaram de forma forte esse processo de defesa desses valores, mas os da "Geração Z" levam isso a um outro patamar. Para eles, essas são questões que não podem ser ignoradas. Eles também são mais abertos a experimentações, há uma sexualidade mais fluida — afirma Dario.
Um ponto de atenção ao se analisar o conceito de "Geração Z" e a sua interação com questões de gênero e sexualidade é o fato de o Brasil ser um país heterogêneo, em que pesam diferentes classes, níveis de acesso à educação e informação pela internet.
— Há alguns segmentos que usufruem de uma educação mais qualificada em termos de sexualidade. Nesses, há um clima de antidiscriminação e de diminuição do preconceito. Mas não é um fenômeno generalizado na sociedade brasileira — afirma Angelo Brandelli, professor de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS) e coordenador do Grupo de Pesquisa Preconceito, Vulnerabilidade e Processos Psicossociais.
Espaço de fala
Nascida em Gravataí, a estudante de Jornalismo e influencer Lorena Eltz, 21 anos, é acompanhada de perto por mais de 500 mil seguidores no Instagram, em um perfil no qual compartilha suas experiências enquanto mulher, lésbica e pessoa que convive com a doença de Crohn — por causa da condição, Lorena precisou retirar o intestino grosso e vive permanentemente com uma bolsa de colostomia. Na internet, foca em conteúdos sobre saúde, mas as postagens relacionadas à comunidade LGBT+ são muitas e têm o objetivo de acolher outros jovens que, como ela, recorrem à rede para relatos de vivências semelhantes às suas:
— Por causa da deficiência, por muitos anos eu reprimi a minha sexualidade, já que é um tema muito negado a pessoas como nós. Mas, aos 17 anos, me vi apaixonada por uma menina e tivemos um relacionamento. A descoberta foi um grande susto. Inicialmente, tive dificuldades pessoais de aceitação. Encontrei na internet pessoas parecidas comigo. Acho que meu trabalho hoje é justamente o de contar a minha trajetória, já que quanto mais histórias sobre sexualidade, gênero e sobre como as pessoas se enxergam dentro da comunidade LGBT+, mais a gente consegue representar e acolher as outras pessoas.
Desde o começo da sua jornada enquanto mulher lésbica, Lorena contou com o apoio e a compreensão da família. Enquanto produtora de conteúdo para as redes, credita também às gerações anteriores da luta LGBT+ o fato de poder falar abertamente:
— Com certeza hoje temos um grande espaço para falar. Só de estar podendo produzir alguns conteúdos sobre isso é uma grande prova de que muitos passos à frente foram dados. Mas um ponto que ainda demonstra atraso é o fato de não terem a mesma atenção todas as sexualidades e gêneros. Tento mostrar nos meus vídeos que ainda falta representatividade de homens e mulheres trans, lésbicas, bissexuais, pansexuais e de pessoas com deficiência.
Sem rótulos
Delano Raimundi tem 19 anos, é bissexual e explora a fluidez na aparência. Assim como pode se vestir com jeans e camiseta, em outros dias opta por um cropped, usa brincos, coloca maquiagem. É uma vontade que existe desde cedo, mas que só foi atendida a partir da adolescência.
— Eu procuro descobrir novas possibilidades e não gosto de me limitar em nenhum âmbito da minha vida. É na forma como eu me expresso no dia a dia que consigo deixar isso mais visível, seja em como me visto, me porto e interajo com os outros. Desde cedo percebi algumas podas que me foram impostas, como essa separação binária que envolve não poder usar rosa, não poder brincar de boneca. A partir dos meus 15 anos, passei a explorar esse meu outro lado e a pensar "poxa, eu posso, sou livre e não é algo errado" — argumenta.
Embora tente usufruir da sua liberdade da forma mais plena possível, Delano conta que convive com diversas inseguranças, como a que o impede de ir ao trabalho vestido como deseja. A vontade de usar um salto ou uma maquiagem, "coisas que mulheres fazem todos os dias", diz ele, invariavelmente é suplantada pelo medo da reação das pessoas e do constrangimento que poderia vir daí.
No entendimento do professor Fernando Seffner, que coordena a linha de pesquisa Educação, Sexualidade e Relações de Gênero dentro do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do RS (UFRGS), exemplos como o de Delano retratam uma demanda atual e importante de pessoas que querem liberdade para dispor do próprio corpo e fazer experimentações, como vestir elementos que confundem o gênero:
— Temos uma explosão na juventude de pessoas que são não binárias e buscam viver uma vida, com relação a sexualidade e gênero, nesse meio de caminho. O que acontece é que uma vida dentro dessas novas possibilidades passou a ser percebida como um projeto de felicidade viável, coisa que, na minha geração, eu tenho 65 anos, não era possível. Um projeto de felicidade quer dizer o seguinte, quero me vestir diferente, mas também quero que gostem de mim, quero namorar, quero que alguém repare em mim em uma festa. Hoje essas experimentações encontram na população outras pessoas que se atraem por elas.