Não é incomum ouvir que o plano de vida e de aposentadoria de muita gente implica mudar de cidade e estabelecer raízes em alguma residência mais próxima da natureza. Como se o êxodo fosse uma recompensa pelos anos transcorridos na cidade em meio ao trânsito, à rotina atribulada e ao ritmo muitas vezes frenético de obrigações. A troca que é entendida popularmente como fonte de tranquilidade e de saúde não fica apenas no plano da especulação. Pesquisas apontam que o maior contato com o verde pode, sim, trazer efeitos positivos para o corpo.
Estudo divulgado em abril deste ano pela Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, revelou que viver perto de um parque nacional ou de uma reserva natural pode tornar as pessoas mais saudáveis quanto a aspectos físicos e mentais. Segundo os pesquisadores, os benefícios aparecem a longo prazo e aumentam quando a área protegida pode ser acessada e ter seus recursos naturais aproveitados, sem que isso cause impacto negativo nas reservas.
Rodrigo Cavasini, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e doutor em atividades físicas ao ar livre, afirma que a natureza funciona como uma espécie de relaxante que age sobre a fisiologia e a psique humana.
— A resposta involuntária do corpo por estar presente neste tipo de ambiente é a redução da pressão sanguínea, do estresse, da raiva, há melhora do humor e também da autoestima. Além disso, reduz o risco de desenvolvimento de doenças respiratórias, porque o ar é menos exposto a poluentes oriundos da combustão dos combustíveis dos automóveis, por exemplo — diz Cavasini.
O professor ressalta: não é preciso ir para muito longe para colher e usufruir os benefícios proporcionados pela natureza. Ele cita o conceito de vitamina N, cunhado por Richard Louv.
Trata-se de um escritor norte-americano que investiga a relação das crianças com o meio ambiente, ele acredita que qualquer contato com áreas verdes proporciona ganhos à saúde das pessoas e que a busca pela reconexão com a natureza e a prática de atividades ao ar livre são sempre válidas. Por exemplo, se você tem o privilégio de morar perto do seu local de trabalho e para chegar até ele existe um parque ou caminho mais arborizado, opte por essa alternativa. Será mais prazerosa e relaxante do que andar pelas vias convencionais, entre o fluxo intenso de pessoas nas calçadas e ruídos causados pelo deslocamento dos carros.
Essas pequenas quebras na rotina são de grande ajuda. Um estudo publicado, em 2016, em uma das mais renomadas revistas científicas do mundo, a Nature, revelou que, aproximadamente, 7% dos casos de depressão e 9% dos casos de hipertensão arterial poderiam ser prevenidos com passeios semanais, de 30 minutos, em espaços mais arborizados.
Experiências ao ar livre
O processo de urbanização que o mundo sofreu a partir da década de 1970 reduziu as áreas verdes. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015, quase 85% da população brasileira, por exemplo, vive em áreas urbanas. Mas, conforme dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), de 2017, as regiões urbanas representam apenas 0,63% do território nacional. Ou seja: o êxodo e a ocupação de todo e qualquer canto dos grandes centros fizeram com que aumentasse o distanciamento da sociedade com a natureza.
Além disso, a rotina intensa de trabalho, de estudo, o tempo gasto dentro de automóveis e ônibus para se locomover e a criminalidade afastaram ainda mais as pessoas de experiências ao ar livre. O professor Cavasini diz que é preciso encontrar e reservar um tempo para apreciar o que é ofertado gratuitamente:
— Em vez de ficar tomando chimarrão dentro de casa, é interessante fazer essa atividade na praça próxima a nossa residência. Reservar um tempo para praticar jardinagem, mesmo para quem mora em apartamento, é uma atividade relaxante, que traz consciência da vida e coexistência com outros organismos. E as plantas, por sua vez, aumentam a umidade do ar, ajudam a diminuir a temperatura e neutralizam os índices de carbono dos ambientes, ou seja, é uma relação ganha-ganha.
Refúgio em meio a Porto Alegre
A menos de oito quilômetros do centro de Porto Alegre, no bairro Santa Tereza, na zona sul, está a casa – que mais parece um sítio – da analista de comunicação Valéria Luna, 38 anos. Nascida na cidade de Olinda, em Pernambuco, ela sempre morou em apartamento, apesar da proximidade com o mar. Quando ainda namorava Jonathas Jorge, 37, visitou pela primeira vez a capital dos gaúchos e se surpreendeu com o tamanho do lar ocupado por sogra, sogro e tio. O amplo pátio, com grande diversidade de plantas, impactou a pernambucana.
Em 2010, ela desembarcou de vez na cidade e, de lá para cá, morou em quatro lugares diferentes, separou-se e voltou com Jonathas. O último apartamento em que residiu, de 2016 a 2018, era no bairro Menino Deus.
O imóvel ficava no andar térreo, tinha uma boa localização, mas apresentava seus problemas. Como a janela do quarto estava virada para a rua, ela preferia não abri-la para não ter a privacidade exposta. E, se por um lado conseguia se desvencilhar desse incômodo, não fugia dos barulhos que invadiam a casa nem do estresse que isso causava à filha, Dora Jorge, seis anos.
— Ela ficava estressada, porque o apartamento era pequeno e não tinha espaço para brincar. Como não gosto de dirigir e não tinha carro, tinha que fazer tudo de ônibus. Então, era sempre uma corrida contra o tempo para deixá-la na escola, chegar a tempo no meu antigo trabalho, que ficava lá na Bom Jesus, na Zona Leste, e ainda pegar a Dora na escolinha no final da tarde — recorda a analista de comunicação.
Há pouco mais de um ano, quando Valéria e Jonathas resolveram reatar o casamento, eles se mudaram para o bairro Santa Tereza para ajudar na manutenção
da propriedade e economizar com o aluguel. De lá para cá, ela percebeu uma grande melhora do bem-estar e mudança nos hábitos alimentares.
— Minha referência era uma vida vivida dentro de quatro paredes. Morando aqui, enxerguei a riqueza que este recanto me traz. Por estar em maior contato com essa vasta área verde, fui direcionada a rever certos hábitos e mudei muitos deles. Hoje, procuro cuidar da alimentação, não consumir industrializados, comer mais verduras e legumes. No futuro, pretendemos comer o que plantamos — diz Valéria, que plantou no quintal de casa limoeiro, bergamoteira, abacateiro, bananeira, mamoeiro, caquizeiro e mangueira. E todo resíduo orgânico produzido pela família é usado por Jonathas para fazer compostagem posteriormente.
Cinco dicas simples mas eficientes
- Ao se deslocar para o trabalho, para o local de estudo ou para casa, escolha trajetos a pé que tenham mais área verde.
- Procure incluir a natureza em suas atividades de lazer.
- Pratique jardinagem ou cultive hortas verticais.
- Faça parte de grupos que promovam atividade física ao ar livre.
- Se possível, opte pela bicicleta.
As boas novas que o ar puro traz
Um estudo da Escola de Saúde Pública de Harvard, divulgado em 2017, revelou que morar perto de áreas arborizadas diminui o risco de depressão, doenças renais e respiratórias. No levantamento, foram analisados 108.630 prontuários médicos de americanas entre os anos 2000 e 2008. A partir daí, foi comparado o índice de mortalidade entre elas com o nível de vegetação ao redor de suas casas, em um raio de 250 metros quadrados.
Concluiu-se que as mulheres que moravam perto de áreas verdes apresentavam taxa de mortalidade 12% menor e que as habitantes de localidade próximas da natureza tinham 41% menos chances de morrer por problemas nos rins, 34% por males respiratórios e 13% por algum tipo de câncer.
Paciente crônica de rinite alérgica – doença que causa espirros, coriza e deixa os olhos avermelhados, lacrimejantes e com coceira – Valéria Luna diz que a mudança para uma casa mais arborizada alivia parte do incômodo causado pela moléstia. O relato da analista de comunicação é confirmado pelo chefe do serviço de Pneumologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Alberto Rubin:
— O contato frequente e acentuado com poluentes do ar irrita as vias respiratórias e ocasiona doenças que afetam os pulmões e os brônquios, bem como outras partes do sistema respiratório. A ciência comprova que os que vivem próximos da natureza são menos expostos a essas partículas que danificam o sistema, quem respira ar mais puro tem melhor qualidade de vida. E a poluição acentua casos de pessoas que já tem predisposição a doenças como renites, sinusites etc.
Zona rural versus zona central
Grande parte da vida cotidiana gira em torno da região central das cidades e, às vezes, morar afastado dos diversos serviços ofertados pode ser um problema por demandar tempo de deslocamento, investimento em combustível quando se tem carro ou moto e muita paciência quando se depende do transporte público. Valéria Luna, por exemplo, apesar de estar no perímetro urbano enfrenta dificuldade com transporte para ir até o trabalho, já que sua única opção é a lotação e isso implica gasto de R$ 13,20 por dia.
Rodrigo Cavasini afirma que a tendência é de que a questão da mobilidade urbana piore nos próximos anos tendo em vista o aumento no número de carros que circulam pelas vias brasileiras, atualmente, são mais de 43 milhões de veículos, conforme dados do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), divulgados em 2018.
Dentro deste contexto, quem mora mais afastado e tiver a chance de negociação no trabalho pode sugerir horários alternativos de entrada e saída para evitar o fluxo intenso de carros – logo, o consumo ainda maior de combustível, que é algo nocivo ao planeta, e também o estresse. Quem não tem essa oportunidade e precisa cumprir o horário padrão pode investir na realização de atividades em ambientes externos e incorporar a natureza em tarefas do dia a dia e no lazer, observa Cavasini.
— Cada indivíduo precisa analisar se, dentro da rotina dele, vale morar um pouco mais afastado das zonas centrais ou não. Caso esse afastamento não se encaixe em seu cotidiano em função de trabalho, faculdade etc é importante participar de grupos de corrida de rua ou praticar yoga em parques públicos com um grupo de pessoas. O importante é entender que ficar próximo do meio ambiente significa mais do que um passeio, é uma maneira de cuidar de si — diz o professor de Educação Física da PUCRS.