José Vicente Pokorski tinha 44 anos, pesava 85 quilos e cultivava uma longa barba negra em 2001, quando o Papai Noel contratado para a festa de fim de ano da Santher, a fábrica de papel onde trabalhava em Guaíba, desistiu do compromisso por medo de andar de helicóptero. Convidado a assumir o posto do Santa Claus acrofóbico, Vicente descoloriu a barba com água oxigenada, inflou a barriga com enchimentos e emocionou os filhos dos colegas descendo do céu carregado de presentes. Desde então, ele nunca mais passou o Natal com a própria família.
Agora com 67 anos e 116 quilos, Vicente não precisa mais tingir a barba nem engordar artificialmente. Aposentado, tem uma rotina tranquila de janeiro a setembro. O ritmo muda com a chegada da primavera e o lançamento das primeiras campanhas de Natal das empresas. É o momento em que tira a roupa vermelha do armário, transforma o carro num trenó imaginário e passa os dias recebendo abraços e pedidos de crianças e adultos.
Pelo sexto ano consecutivo, Vicente é o Papai Noel do Shopping Praia de Belas. Todos os dias ele chega por volta das 9h e se dirige ao terceiro andar. Numa loja desativada, troca a calça jeans pela pantalona rubra, a camisa pelo casaco de cinto largo, cobre a cabeça com a touca de pompom na ponta e finaliza o figurino com a bengala numa mão e a sineta na outra.
Quando deixa o vestiário improvisado, carrega consigo o magnetismo de um dos mais icônicos personagens mundiais, capaz de atrair afeto sem exprimir qualquer palavra.
Sentado numa poltrona espaçosa, pisca o olho, abana a mão e abre um sorriso largo. Não há quem resista à simpatia do bom velhinho.
— É muito emocionante ser Papai Noel. Há uns dois anos uma senhora sentou ao meu lado, me abraçou e disse que sabia que eu não era milagreiro, mas queria de Natal a cura da mãe, doente de câncer. Um ano depois ela voltou para me agradecer, dizendo que a mãe tinha melhorado — conta Vicente.
Em média, ele recebe de 200 a 300 cartinhas diariamente, mas já teve ocasião em que atendeu 1.740 pessoas em oito horas de expediente.
As meninas pedem bonecas. Os guris, Lego. Mas esse ano o presente mais pedido tem sido o iPhone 16 Pro Max, cujo preço salgado Vicente trata de salientar, num gesto de solidariedade muito bem recebido pelos pais. Vicente não esquece do dia em que entregou uma bola de futebol num evento escolar e o menino esperou até o fim da festa para tentar trocar a bola por um cachorro-quente, pois não tinha comida em casa.
Descoberto após uma foto sua fantasiado ser publicada no finado Orkut, Vicente já foi Papai Noel de quase todos os shoppings da Capital e protagonista de duas caravanas da Coca-Cola, percorrendo 109 cidades de Curitiba ao interior do Rio Grande do Sul.
Também grava comerciais e faz aparições em hospitais, empresas, condomínios e onde mais sua pacienciosa presença for requisitada. Quando uma criança chora ao vê-lo, recorre à tranquilidade dos anciões e à bondade da figura quase sacra que representa.
— Essa semana uma criança chorou porque não tinha se comportado direito. Eu disse que a perdoava e ela voltou a sorrir. Muitas vezes esse medo de Papai Noel é culpa dos pais, que dizem que eu não vou dar de presente — afirma Vicente.
Ana Julia Lemes, de sete anos, não tem essa preocupação. Após passear pelo shopping com o pai, o motorista Júlio César Lemes, pediu para ir conversar com Papai Noel. De mão dada com Vicente, contou ter passado de ano no colégio e ter sido uma boa filha em 2024. De Natal, pediu uma boneca da franquia Divertida Mente e um fone de ouvido.
— Ele me perguntou se eu me comportei bem e eu disse que sim —salientou Ana Julia, com os olhos brilhantes ante a promessa do presente.
O profissionalismo de Vicente no papel de Noel é tamanho que a própria neta, Isabela, de seis anos, não reconhece o avô por detrás da fantasia. A presença do personagem símbolo do Natal na família, porém, também causa percalços, sobretudo pelas ausências. Até 25 de dezembro, Vicente tem apenas uma noite livre na agenda. Só na noite de Natal, tem 12 visitas contratadas.
— Vou parar lá pelas duas da madrugada. A família reclama. Eles tem um Papai Noel em casa, só que ele nunca está em casa — resigna-se.