Fundador do Museu Internacional de Ufologia, História e Ciência do pequeno município de Itaara, na região central do Rio Grande do Sul, Hernán Mostajo é um apaixonado pelas histórias de ufos e ETs, mas também pela ciência. É ele quem conduz os visitantes pela instituição. O momento em que Hernán brilha, recorrendo a recursos sonoros e cenográficos, é justamente ao apresentar os espaços do museu aos interessados.
Tudo começa pelo Big Bang. Hernán fala da expansão do universo, diz que para cada grão de areia na Terra há um milhão de estrelas, exibe uma bola amarela que representa o sol e chega à vida, exibindo um fóssil de dinossauro de 230 milhões anos, que fica sob o piso do museu, visível através de um vidro blindado.
O passo seguinte é apresentar a evolução da vida, o que Hernán faz com a ajuda de uma maquete que ilustra as eras geológicas da Terra. Dá destaque à mesozoica, dizendo que é quando surgem os primeiros dinossauros, no atual território gaúcho, o que dá ensejo a que as crianças toquem em fósseis. Uma peça que ele pede que segurem é um pedregulho. Quando o visitante já a manuseou, revela:
– Você está segurando uma coisa muito mais importante do que você. Você está segurando uma bosta de 230 milhões de anos. Um coprólito. Cocô de dinossauro.
Da vida, Hernán passa para a vida inteligente. Fala da evolução humana, mostra uma réplica de Lucy, hominídeo de mais de 3 milhões de anos, e outra de Luzia, fóssil humano mais antigo da América, de 13 mil anos, e que estava no acervo perdido no incêndio recente do Museu Nacional do Rio de Janeiro.
– De Lucy a Luzia, foram 3,5 milhões de anos e mais de 300 mil espécies. Assim chegamos ao cérebro que temos hoje. Vida inteligente no universo é possível? É. Mas é raro? Sim, é raríssimo.
Enveredando pela história das civilizações humanas, o fundador do museu chega ao que considera um passo épico: a ida à Lua. Nesse momento, conduz os visitantes a outra sala, dedicada inteiramente à conquista do espaço. Ali está uma réplica do módulo lunar da Apollo 11, primeira missão a aterrissar com astronautas no satélite. Também exibe o que seria o primeiro pedaço de lixo espacial a cair no Brasil, uma esfera que tombou no interior do município de Ibirubá, em 1993. Hernán foi até o local, à época, e conseguiu o objeto com o agricultor que a encontrou.
– Quando caiu, essa peça foi confundida com um óvni. Não é óvni nenhum! – grita o responsável pelo museu.
Esse é o momento em que ele silencia e as luzes da sala diminuem dramaticamente. Na penumbra, capricha na voz solene:
– Tudo isso o que vimos, o universo, a expansão, a evolução, a arqueologia, o cocô de dinossauro, a astronomia, nos leva a um questionamento: estamos ou não estamos sozinhos no universo?
É quando começa a sair dos alto falantes a música-tema da série Arquivo X, que tratava de alienígenas, e Hernán leva o grupo à sala seguinte, o filé mignon do museu: a ala reservada aos extraterrestres. Ele exulta:
– Nessa hora, uns tremem, outros choram.
Aqui devemos falar de uma ambiguidade fundamental no museu. Hernán e sua mulher Roberta esforçam-se para passar uma imagem de adesão firme aos preceitos científicos. Mas, apesar disso, não podem, nem parecem desejar, abrir mão dos aliens e das espaçonaves, que no final de contas são o que deu projeção à instituição e ainda respondem pelo frisson que ela causa.
– O ET é o marketing, é o atrativo, não tem como fugir. Nunca vamos abandonar a imagem do alien. É o nosso diferencial – reconhece Hernán.
E, de fato, quando se trata de ETs, o museu solta a franga. O próprio fundador, ao entrar na ala dedicada à ufologia, entusiasma-se, vibra, tresanda a fascinação – faz a gente quase duvidar de que ele seja tão cético assim. Começa avisando aos visitantes que nada está provado, que o museu se limita a salvaguardar e relatar a história, para depois discorrer com indisfarçada paixão sobre o caso Roswell (um suposto disco voador que teria caído nos EUA, em 1947, deixando vários aliens mortos), sobre os diferentes tipos de alienígenas (representados em esculturas) e sobre gaúchos que teriam sido contatados (a exemplo de Antônio Nelso Tasca, que sustentava ter feito sexo com uma alienígena de 1m20cm e olhos dominadores, chamada Cabalá, com a qual, em uma experiência de reprodução híbrida, teve os filhos Mada e Madana).
Confrontado com o entusiasmo que demonstra, Hernán não se constrange:
– Por que é que eu não vou ser fascinado, se a Nasa investe milhões, se a Agência Espacial Europeia investe milhões, para buscar uma microvida no planeta Marte? E o que eu faço no museu é mostrar os dois lados, para não ofender os crentes e não ofender os descrentes. Não posso ferir quem pagou ingresso. Não posso impedir que o público que gosta de ufologia sonhe. Preciso de arrecadação. Quem sou eu para decepcionar alguém?
O tratorista abduzido
Pressionado a responder se acredita em ETs ou não, Hernán assume um ar pensativo e lista coisas em que não acredita: rosto marciano, pirâmide em Marte, fóssil de ET etc. Por fim, faz uma revelação. Como pessoa física, e não como pessoa pública, ressalta, considera que a história mais crível é a de Artur Berlet (1931-1994), um tratorista de Sarandi, no norte do Estado, que passou nove dias desaparecido, em maio de 1958, e voltou contando ter visitado outro planeta, chamado Acart. Em 1967, Berlet publicou um livro narrando essa suposta aventura, obra que também ganhou edições na Alemanha, na Finlândia e nos EUA.
Sob uma placa com os dizeres "Artur Berlet – O gaúcho que viajou para outro planeta", o museu de Itaara exibe um rico acervo sobre o personagem. Estão lá não apenas as várias edições do livro, mas os próprios originais da obra, 442 páginas manuscritas em vários cadernos escolares, bem como vários outros documentos, objetos, vestes e fotos que Hernán obteve com a família de Berlet.
– Se for acreditar em alguma coisa, vou talvez acreditar nesse gaúcho que, lá em 1958, num mundo não high tech, em que não havia como ganhar dinheiro com a publicidade das loucuras dele, diz ter ido a outro planeta e descreve tecnologias que viraram realidade. Era um tratorista, humilde, com a primeira série do primário, sem bagagem literária nenhuma, que morava no interior do interior. Ali tem algo.
A leitura de Os Discos Voadores – Da Utopia à Realidade, o livro de Berlet, é uma experiência algo penosa. Fica-se com a impressão de que, se Acart existe, é um lugar enfadonho. Se não existe, então o tratorista peca pela falta de imaginação. O que ele oferece é o retrato de um planeta estranhamente semelhante à Terra, mas com três ou quatro tecnologias e sabedoria superiores. Percebe-se que Berlet quer retratar uma utopia, mas o que é uma utopia para ele tem muito de distópico. Por exemplo, ele descreve, com aparente admiração, que o sistema penal acartiano aboliu as prisões, optando por submeter os condenados à pena de morte ou a trabalhos forçados, acompanhados da perda dos direitos de cidadão. Os criminosos andam pelas ruas como mendigos, identificados por uma medalha pendurada ao pescoço, e estão proibidos de usar qualquer meio de transporte, de entrar em prédios públicos e de adquirir o que quer que seja. Só se alimentam se os parentes lhes derem comida.
Acart, segundo o relato, é um planeta situado a 65 milhões de quilômetros da Terra (no momento de maior proximidade, nosso planeta dista 54 milhões de quilômetros de Marte). Não há descrições sobre os habitantes, mas depreende-se que eles são bem parecidos com os humanos. Cultuam o mesmo deus, moram em prédios de apartamentos, têm grandes cidades, fazem as refeições em família, comem carne e peixe, trabalham em fábricas ou lavouras, aposentam-se por tempo de serviço e não gostam de imoralidades. As mulheres trabalham, mas, ao casar, largam o emprego para virar rainhas do lar. Berlet até encontra alguns que falam alemão, a língua que aprendeu em casa, e que lhe servem de tutores.
Segundo o relato, décadas antes da visita do gaúcho, Acart estava dividido em muitos países e era um cenário de guerras, roubalheiras, especulações, miséria, "sempre por causa do maldito dinheiro". Então, como em um conto de fadas sinistro, surge "o maior sábio de todos os tempos", um individuo rico, que descobriu como utilizar a energia solar e desenvolveu uma arma arrasadora. De posse dessa arma, ele chantageou os governos, forçando-os a aceitar seu plano de salvação, que incluía a abolição das fronteiras e do dinheiro, com o que "automaticamente terminou com a ganância, especulações, roubos, logros e outras coisas mais".
– Então ele foi uma espécie de ditador? – pergunta Berlet.
– Não, ele não era diretamente o governo, apenas dava as ideias e outros as punham em prática – responde um acartiano que falava alemão e não demonstrava o menor resquício de consciência política.
O governante, explica o ET, era alguém indicado pelo grande sábio. No caso, seu filho, que recebeu o título de Filho do Sol. O problema é que Acart padecia do velho problema malthusiano da superlotação. Só a capital tinha 90 milhões de habitantes. Começaram então planos para invadir a Terra. Foi quando se deram conta de que não seria necessário, de que os terráqueos se aniquilariam em uma guerra atômica – uma angústia típica do tempo de Berlet e que está na origem de muitas obras de ficção científica do período. Resolveram esperar pela destruição autoinfligida para se apoderar do nosso planeta.
O problema é que, enquanto isso não acontecia, os acartianos viam-se diante de uma situação grave: o pão deles não era gostoso. Por isso, renviaram discos voadores para desvendar os segredos do cultivo de trigo terráqueo, que resultava em pães tão superiores. Foi numa dessas missões que o comandante de uma espaçonave resolveu abduzir Berlet, acreditando tratar-se de um experimentado cultivador.
Hernán impressiona-se com esse relato por julgar que, nele, o tratorista de Sarandi descreve tecnologias que só mais tarde se tornariam realidade. Por exemplo: os acartianos comunicam-se por meio de chamadas de vídeo, com telas fixadas à parede.
– O cara descreve uma videoconferência 60 anos atrás – admira-se Hernán.
O diretor do museu de ufologia também cita o uso de energia solar, por meio de placas fotovoltaicas, e a onipresença dos carros voadores com hélices, que considera uma antecipação dos drones. As videoconferências e os veículos voadores, no entanto, são um antigo e popular tópico da ficção científica. As primeiras aparecem em obras do século 19, enquanto os carros alados tornam-se onipresentes a partir do início do século 20. Quando Berlet escrevia seu livro, as duas tecnologias estavam até na TV, por meio do desenho animado Os Jetsons, lançado em 1962. No caso do aproveitamento da energia solar através de fotocélulas, bem, é uma tecnologia terráquea que data das décadas de 1870 e 1880 e que já estava disponível comercialmente por volta de 1950, quando o jornal The New York Times definiu sua chegada como "o início de uma nova era".
Depois de examinar todo o acervo, é provável que o visitante deixe as dependências do museu tentado a escrutar os céus. Duas décadas atrás, quando Hernán imaginou a instituição, ela contaria com um observatório astronômico para atender a esse impulso. É algo que finalmente está se tornando realidade neste 2018. Nos últimos dois anos, a partir de um investimento cujo montante não revela, construiu ao lado da sala de exposições um dos raros observatórios astronômicos do Estado, com cúpula giratória automatizada de 380 quilos e seis metros de diâmetro e um telescópio importado de 14 polegadas instalado no topo. Batizado de Cosmos, em homenagem a Carl Sagan, o observatório já recebeu 2 mil crianças, embora ainda não tenha sido inaugurado oficialmente.
– Não é para caçar ET e disco voador. Em hipótese nenhuma. Jamais. O objetivo é abrir os olhos para a vastidão do universo. E como cheguei a isso? Tenho de ser bem realista. Tudo começou com a ufologia – diz.