Cercado por esculturas de ETs e por objetos de indivíduos que juraram ter viajado em nave espacial, ter visitado outros planetas e ter se esbaldado em forrobodós libidinosos intergalácticos, Hernán Mostajo, fundador e diretor do Museu Internacional de Ufologia, História e Ciência, estufa o peito e proclama, em tom desafiador:
– Ufólogo não entra aqui! Ufólogo não tem coragem de entrar aqui!
Eis uma afirmação com potencial para intrigar desatentos. Por que diabos, afinal, ufólogos teriam receio de visitar um museu de ufologia?
Para chegar à resposta, é necessário compreender a trajetória de Hernán, um santa-mariense de 1968 que teve a infância embebida no estimulante caldo da conquista do espaço. Quando Hernán tinha um ano, o homem pisou na Lua pela primeira vez, e seu brinquedo favorito era um boneco de astronauta.
Na TV em preto e branco, embasbacado, via filmes e seriados sobre aventuras interplanetárias. Em Jeannie É um Gênio, sobre um astronauta que liberta uma bela jovem das mil e uma noites, presa em uma lâmpada, fascinava-o não o gênio, mas o astronauta. Assistia a episódios de Perdidos no Espaço – centrado na jornada de uma família de terráqueos enviada para colonizar um novo planeta – e na sequência juntava duas bandejas de papelão, a modo de disco voador, para fantasiar a continuação da trama. Depois veio a série Cosmos, em que o astrônomo Carl Sagan, no comando da nave da imaginação, levava Hernán a uma viagem semanal por misteriosos recantos do universo.
É claro que, embalado no mesmo pacote, imiscuía-se o tema dos extraterrestres. Em 1976, por exemplo, duas sondas enviadas pelos EUA – a Viking I e a Viking II – foram a Marte e enviaram fotos do planeta. Uma delas, em particular, causou furor. De um ângulo muito específico, um conjunto de montanhas e crateras na região de Cydonia Mensae passava a impressão de ser um rosto humano, em que alguns conseguiram enxergar até mesmo as feições de Cristo. O pequeno Hernán viu as imagens do chamado "rosto marciano" em uma reportagem do Fantástico, na TV Globo. Sofreu um impacto avassalador.
Lá pelos 20 anos de idade, estava entregue à ufologia. Mergulhava em livros e revistas sobre ETs, participava de congressos, documentava em vídeo centenas de debates e palestras (para alimentar seu acervo pessoal), viajava a locais de supostos contatos ou avistamentos de óvnis (com o objetivo de coletar materiais e informações). Era um crente. Cria em ETs, em discos voadores, em abduções, em conspirações para esconder tudo isso. Acreditava que eles já estavam entre nós.
– Encontrei uma revista, que não cito o nome porque não quero fazer publicidade para ninguém, uma revista que tinha um desenho em uma plantação, marcas deixadas por óvnis, e achei aquilo o auge. Foi o momento em que eu disse: "Isso é o que eu quero". Eu era um sonhador. Entrei para a ufologia, e os ufólogos acham que tudo o que está nos céus é disco voador. Veem uma luz e concluem que é uma nave pousando. Eu pensava assim também – conta.
O cutucão da ciência
No fim da década de 1990, quando presidia a Associação Brasileira de Pesquisas Ufológicas e era um ativo organizador de conferências sobre o tema, Hernán começou a trabalhar na criação do Museu Internacional de Ufologia. Escolheu uma área no município de Itaara, a 15 quilômetros de Santa Maria, para expor um acervo que incluía fotos, documentos e esculturas de alienígenas.
Mal abriu, em 2001, a Rede Globo enviou a Itaara o cantor Zé Ramalho, que dizia ter avistado uma nave espacial nos tempos de estudante, enquanto fazia um experimento com cogumelos alucinógenos, e que acreditava terem sido alienígenas que implantaram a vida humana na Terra. Travestido de repórter, o artista paraibano, cantor dos inolvidáveis versos de Raul Seixas "Ô seu moço do disco voador/ Me leve com você, pra onde você for", fez um quadro sobre o museu para o Fantástico.
– É um momento histórico para a ufologia brasileira – exclamava Hernán, durante as gravações do programa.
O detalhe é que o fundador do museu, nessa fase, tinha vivenciado uma transformação pessoal, segundo seu próprio relato. Formado na faculdade de História, percebeu que acreditar na tese de que as pirâmides do Egito eram obras alienígenas, como ele cria, não passava de maluquice. Foi amadurecendo, foi se aproximando dos rigores da ciência, começou a questionar. Já não conseguia sintonizar com as crenças propaladas no meio ufológico. E assim, depois de 15 anos de militância, divorciou-se delas:
– Digo que a ufologia me aproximou da ciência, e a ciência me afastou da ufologia. Tu te tornas maduro e vês que aquele não é o caminho. Fiquei num limiar. De um lado, apaixonado pela ciência, por Carl Sagan, pelo cosmos. De outro, a ufologia, especulativa, em busca de ETs e discos voadores. Vim dessa concepção equivocada e fui evoluindo, fui estudando. Eu tinha fé na ufologia, mas a ciência me cutucava. Aquela fé começou a desmoronar. Eu pregava a ciência, e os ufólogos não queriam saber disso. A forma como eles conduzem a ufologia, no Brasil, é um desserviço. Deixei de crer nas pessoas que tinha como ídolos e como referência.
E assim chegamos à resposta para o motivo que faz ufólogos, segundo o próprio Hernán, não terem coragem para colocar os pés no museu de ufologia. É porque o museu, diz ele, assumiu uma visão cética em relação a óvnis e alienígenas. Conta as histórias e preserva peças e documentos, mas não tolera as fantasias descabeladas que são o evangelho de muitos ufólogos.
Hernán costumava exibir, por exemplo, um vídeo em que astronautas da missão Apollo dizem estar vendo luzes na Lua. Quando descobriu que se tratava de uma fraude, baniu o filme da exposição. Em consonância com essa filosofia, mudou o próprio nome do museu. Em vez de Museu Internacional de Ufologia Victor Mostajo, a instituição passou a se chamar Museu Internacional de Ufologia, História e Ciência Victor Mostajo (Victor é o filho de Hernán com sua companheira, Roberta).
O fato de grande parte do público desconhecer essas particularidades e imaginar que o museu, por ser de ufologia, dedica-se a propagandear a existência de ETs, não incomoda o fundador:
– O contrário é que incomodaria, verem-nos como um bando de loucos. Queremos pegar as pessoas no contrapé.
Ao enquadrar a instituição dentro de parâmetros científicos e confinar a ufologia em uma única ala, Hernán também assegurou a viabilidade da iniciativa.
Se pusesse o espaço a serviço da divulgação de teorias escalafobéticas, não teria obtido o apoio de organismos oficiais, como o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), e não conseguiria atrair o mercado de escolas, cerca de 250 ao ano, que representam o grosso da visitação e da arrecadação. Também ficaria alijado de parcerias com instituições científicas internacionais. Recentemente, ofereceu a alunos do Colégio Fátima, de Santa Maria, uma videoconferência com a italiana Samantha Cristoforetti, que passou 199 dias na Estação Espacial Internacional, um recorde entre astronautas da Agência Espacial Europeia. Noutra feita, em 2012, numa parceria com a Nasa, fez alunos de educação infantil da Escola Municipal Padre Nóbrega criarem uma sugestão de cardápio para a missão tripulada que a agência espacial dos EUA pretende levar a Marte.
– A doutora Michele Perchonok, que é responsável pelo setor de alimentos da Nasa, aceitou nosso cardápio e ainda se dispôs a conversar com os alunos, crianças de cinco, seis anos. Fomos até investigados pelo FBI, para ver se a conferência podia ser realizada ou não – orgulha-se Hernán.
Roberta, que tem o cargo de diretora de acervo e cuida da parte administrativa, passa a impressão de ser quem mais zela para que a credibilidade do museu nunca seja posta em causa. Há 30 anos com Hernán, nunca participou de eventos ufológicos e sempre manteve o ceticismo que, no passado, faltou ao marido. Enquanto Hernán fala pelos cotovelos, entusiasmado, olhos faiscantes, ela permanece atenta, grave, e intervém para corrigi-lo, sempre medindo e pesando cada sílaba.
Quando Hernán, ao comentar com a equipe de GaúchaZH o famoso caso do ET de Varginha, utilizou o termo "fraude", Roberta apressou-se em interrompê-lo:
– Vamos contextualizar, porque eu não quero que a imagem do museu saia assim.
O professor Hernán não pode emitir opinião de fraude, "fraude" é uma palavra muito pesada. Acho que "controvérsia". O caso de Varginha é enigmático e controverso.
– Controverso. É. Isso. Acho que seria mais adequado. Sim, sim, sim – aquiesceu o marido.
– Professor, temos de manter a linha. Às vezes o senhor se coloca na pessoa física – comentou Roberta.
– Sim, tenho de ter imparcialidade nisso, professora Roberta – penitenciou-se Hernán logo em seguida.
Há mais de uma década, os dois se tratam por "professor" e "professora", o que pode soar estranho quando sabe-se que eles são um casal. Mas é algo deliberado, que faz parte do esforço para dar verniz científico a tudo que envolve o museu. Será que não se atrapalham e continuam tratando um ao outro assim nos momentos íntimos? Hernán não se incomoda de responder que sim, que a forma de tratamento está tão automatizada que, às vezes, também sai no recesso do lar.
Roberta, sensível à imagem que a reportagem pode passar, corrige:
– Tu estás gravando. Não vou dizer como nós nos chamamos... Aí, é coisa de casal.
Nas horas seguintes, repetidas vezes, ela chamaria a atenção da equipe de GaúchaZH para momentos em que ela e Hernán não se tratavam por professor. E Hernán, quando imaginava estar adentrando algum tema menos ortodoxo, iniciava suas observações sondando terreno, com um pedido de licença: "Gostaria de dizer, se a professora Roberta me permite...".