Um momento pungente acontece perto do fim do primeiro episódio de "Cosmos: Uma Odisseia no Espaço-Tempo", alegre passeio em 13 partes pelo universo a ser transmitido pela Fox a partir de domingo nos Estados Unidos.
Sentado sobre uma pedra perto do Pacífico, Neil deGrasse Tyson, apresentador do programa e diretor do Planetário Hayden na cidade de Nova York, pega uma antiga calculadora de mesa que pertenceu a Carl Sagan, astrônomo da Cornell e escritor. Certo dia em 1975, ele encontra o próprio nome. O mais famoso astrônomo do país convidara o jovem Neil, então aluno do ensino médio no Bronx apaixonado por Astronomia, a passar o dia em Ithaca, Nova York.
Gentilmente, Sagan se ofereceu para acomodá-lo naquela noite caso o ônibus não viesse. Enquanto Tyson conta a história, ele já sabia que queria ser astrônomo, mas naquele dia, "eu aprendi com Carl que tipo de pessoa eu queria ser".
A história serve como uma passagem de bastão adequada entre as gerações cósmicas. O jovem estudante não tinha como saber que cresceria não apenas para ser como Sagan, mas, de certa forma, ser ele.
Foi Sagan, é claro, quem nos convidou a embarcar na espaçonave imaginária em nosso passeio pelo tempo, espaço e intelecto humano de "Cosmos" original, transmitido pela PBS em 1980 e, provavelmente, o maior sucesso na popularização da Ciência desde que Albert Einstein vagou por Princeton sem meias.
Em 2012, a Biblioteca do Congresso decidiu que a versão impressa do programa era um dos 88 livros que deram forma aos Estados Unidos; entre outras obras citadas estavam "Moby Dick" e "The Joy of Cooking" ("A Alegria de Cozinhar", em tradução literal). No prefácio de uma nova edição do livro, Tyson escreve que o programa revelou "um desejo escondido dentro de nós para aprender sobre nosso lugar no universo e aceitar por que isso importa intelectual, cultural e emocionalmente".
Agora, ele afirma na abertura do novo programa, "está na hora de embarcamos novamente".
Afinal, muita coisa aconteceu desde que Sagan decolou em sua espaçonave imaginária. Robôs estão explorando Marte, embora ninguém tenha voltado à Lua. O ônibus espacial foi lançado e aposentado. Descobriu-se que a expansão do universo está acelerando e a temperatura da Terra, aumentando. Nós sequenciamos os genomas de humanos e neandertais.
É mesmo hora de embarcar novamente.
O novo "Cosmos" pode ser chamado de o Grande Colisor de Hádrons da ciência popular: caro, espalhafatoso e ambicioso. Depois de uma série de apresentações nesta semana, incluindo uma na Casa Branca, ele será exibido em 170 países e 45 idiomas, na Fox e no National Geographic Channel - a maior estreia mundial para uma série de televisão, segundo Ann Druyan, viúva de Sagan e sua colaboradora em "Cosmos" original, que é produtora executiva, roteirista e diretora da nova versão do seriado.
Não vou fingir ser neutro aqui. Eu espero que a série tenha sucesso e todo mundo assista, não só porque conheço Druyan e admiro Tyson há muitos anos, mas porque todos nós precisamos de uma dose unificadora de curiosidade e espanto. "Cosmos: Uma Odisseia no Espaço-Tempo" chega a um momento crítico para uma sociedade cada vez mais fragmentada.
Se temos de decidir questões importantes, tais como comer alimentos modificados geneticamente, usar a fratura hidráulica para extrair gás natural, reagir à perspectiva de mudança climática drástica, explorar o espaço ou envolver-se em uma pesquisa científica ambiciosa, nós teremos de começar a partir de uma experiência comum.
Como dizia Daniel Patrick Moynihan, senador por Nova York durante muito tempo, todo mundo tem direito a ter sua própria opinião, mas não dos próprios fatos. Então, aonde vamos consegui-las?
Na Ciência, bem como em outras áreas da nossa cultura, não existe carência de vozes, mas será que estamos prestando atenção? Na nova Nova Era, tudo se resume a que canais você assiste ou a quem segue no Twitter.
Ter uma conversa nacional que não seja sobre escândalos ou esportes viria a calhar. Se todo mundo assistir ao novo "Cosmos", nós poderemos conversar sobre ele da mesma forma que discutíamos "Família Soprano" toda segunda de manhã.
E talvez isso aconteça. As primeiras críticas da série são cintilantes, e um perfil adorável de Tyson foi publicado recentemente pela revista "The New Yorker". E não estamos falando de programas da rede pública aqui; o programa será transmitido pela Fox, lar de "24" e "American Idol".
É difícil imaginar uma opção melhor para dar nova vida ao cosmos do que Neil deGrasse Tyson.
Apesar da gentileza de Sagan, o jovem Tyson não estudou na Cornell, optando por Harvard, Universidade do Texas e Colúmbia, voltando com um doutorado em Astrofísica. Desde 1996 ele é diretor do Hayden.
No planetário, ele teve sucesso como o rosto público da Astronomia na cidade mais diversificada e brilhante dos EUA, conhecido por telespectadores noturnos como sociável em relação ao cosmos.
Poucos homens podem se safar vestindo roupas com um raio de sol gigante, mas Tyson é um deles, um homem grande de personalidade igualmente grande que parece muito à vontade sendo quem é. Ele se sente feliz em ser visto como um CDF dotado com a malandragem das ruas. Tyson se sai melhor em cenários improvisados como programas de entrevista ou alfinetando cosmólogos nos debates anuais Asimov no Museu Americano de História Natural, sobre a inexistência ou universos alternativos. No papel de homem comum cósmico em "Cosmos", ele demonstra ser um parceiro convincente e amigável, além de guia turístico, acrescentando um pouco de brincadeiras e ironias para a plateia se divertir. Observe como Tyson coloca óculos escuros enquanto nos aproximamos do momento do Big Bang ou cobrindo as orelhas enquanto nos lembra de determinado asteroide.
Porém, Tyson é extremamente sério a respeito da Ciência.
No primeiro episódio, "De Pé na Via Láctea", nós andamos pelas ruas de Roma enquanto ele conta a história de Giordano Bruno, filósofo queimado na fogueira em 1600 por defender a existência de um número infinito de mundos além do nosso. Aquela foi a aurora da era científica, apenas uma década antes de Galileu olhar pelo telescópio e ver que Bruno estava certo.
Boa parte do primeiro episódio dedica-se a um passeio pelo Sistema Solar e além, enquanto Tyson preenche o que chama de nosso longo endereço:
Terra.
Sistema solar.
Galáxia Via Láctea.
Grupo local.
Superaglomerado de Virgem.
Universo observável.
Enquanto isso nós embarcamos em um calendário cósmico no qual a história de 13,8 bilhões de anos do universo foi comprimida em 365 dias e agora é meia-noite do réveillon.
Segundo Tyson, nessa escala o Sol nasceu em 31 de agosto e os dinossauros morreram ontem pela manhã na explosão daquele asteroide. Todo mundo que você conhece, todos os reis, rainhas e profetas, viveram nos últimos 14 segundos desse ano cósmico.
- Jesus nasceu cinco segundos atrás. No último segundo nós começamos a fazer Ciência. Foi o que nos permitiu descobrir onde e quando estamos no cosmos - ele conta.
Vai ser divertido.