A psicóloga evolutiva canadense Susan Pinker é cheia de dedos quando o assunto são as redes sociais. Defensora da importância de cultivarmos relacionamentos de forma presencial para conquistarmos saúde e longevidade, ela argumenta que, quando os temas são Facebook, Instagram e afins, estamos "na Era do Faroeste". Apesar da visão crítica, ela tem esperança de que os jovens revertam a onda de individualismo em voga atualmente:
– Haverá uma reação dos millenials (a geração Y, que chegou ao mercado de trabalho no novo milênio). Vejo uma tendência, entre eles, de busca por experiências reais. Eles se darão conta do que estão perdendo – projeta.
Colunista de comportamento no The Wall Street Journal, Susan é autora de The Village Effect: Why Face to Face Contact Matters (publicado em 2014, ainda sem tradução para o português), resultado de uma pesquisa de campo no vilarejo de Villagrande, na Sardenha, onde a população de centenários é 10 vezes maior do que no restante da Europa e nos Estados Unidos.
Em Porto Alegre para uma palestra no Fronteiras do Pensamento no começo de dezembro, a psicóloga conversou com GaúchaZH no carro, a caminho do aeroporto, onde embarcaria para São Paulo. Confira a seguir.
As redes sociais são boas ou ruins?
Os dois. Uso as redes sociais da mesma forma como leio o jornal: para descobrir quem nasceu, quem morreu e o que aconteceu de novo com o mundo. Mas não para o contato social. Aliás, é incorreto chamá-las de redes "sociais". Elas não conectam você de fato. Pesquisas mostram que, em vez de fazerem os usuários se sentirem bem, as redes fazem as pessoas se sentirem mal em relação a si mesmas. Ao acessar esses sites, vemos o que acontece na vida de todos e, assim, sentimo-nos sozinhos e inadequados.
Uma pesquisa recente (da Sociedade Real para Saúde Pública, do Reino Unido) mostrou que o Instagram é a rede social que mais faz mal.
O paradoxo é: em vez de nos conectar, as redes sociais fazem com que sintamos que há algo de errado conosco. Esse estudo mostrou, assim como outras pesquisas, que sites baseados em imagens são os piores, particularmente no caso de adolescentes, que estão desenvolvendo as suas identidades. Eles precisam descobrir quem são e aprender a como se integrar a uma tribo. E as redes sociais os fazem se sentir alienados e inadequados.
Qual é a lógica disso?
Muitas pessoas vão ao Facebook quando já estão se sentindo solitárias ou de mau humor. Elas não têm nada melhor para fazer e o usam para preencher o tempo vazio. Quando acessam, veem que seu amigo está em uma bela praia com o namorado bem-sucedido, enquanto elas estão atiradas em casa, com seu emprego monótono, as provas da escola, sem dinheiro... Então, em vez de obter validação, algo que ocorre em um grupo, as pessoas se sentem diminuídas. É um processo contrário. Mídias sociais são ótimas para pessoas no espectro autista, com problemas para interagir pessoalmente. No Facebook, você não se preocupa com isso – apenas projeta a imagem que desejar. Apesar de os adolescentes gostarem das redes, elas não os ajudam a reduzir a solidão. A chave do contato social é que nós, humanos, precisamos sentir que pertencemos a algum lugar. Mas pesquisas mostram que as pessoas que usam redes sociais não sentem que pertencem a "algo". Aliás, não acho que você conseguirá sentir que pertence a algo em uma rede social na qual você acumula 700 amigos. É mais como uma coleção. Algumas pessoas coletam rochas, outras, conchas e outras, contatos. Uma coisa que me surpreendeu foi descobrir que, em média, homens tendem a ter redes de contato mais abrangentes, enquanto as mulheres têm redes menores e mais íntimas.
Por quê?
As mulheres investem mais em poucos relacionamentos. Homens investem menos, mas em uma rede mais ampla. Um homem que entrevistei para The Village Effect aguardava um transplante de rim. Pedi-lhe que citasse os nomes de algumas pessoas que faziam parte do seu grupo, e ele abriu o telefone e começou a listar nomes de 300 pessoas. Para ele, não importava a frequência com a qual se encontrava com aqueles contatos. Se ele via a pessoa uma vez a cada cinco anos, ela ainda estava na lista. Pedi para uma mulher o mesmo e ela falou o nome de cinco pessoas. Era discrepante.
Qual pode ser o impacto das redes sociais em nativos digitais, como os millenials?
Não posso predizer o futuro, mas posso dizer que, agora, as pesquisas mostram que jovens adultos se sentem muito sozinhos. Ninguém fala sobre isso porque é um tabu. O sexo era um tabu antes. Agora, é a solidão. Eles terão de achar uma forma de consertar isso. É um problema biológico sentir-se sozinho. Se posso prever algo, acho que haverá uma reação dos millenials. Vejo uma tendência, entre eles, de busca por autenticidade, por experiências reais. Eles querem cervejas artesanais feitas de forma original, picles à moda antiga, blusões customizados, singularidade e autenticidade. Eles pagam bastante para não serem artificiais. Isso vai ocorrer também com o contato social, no futuro. Os jovens vão se dar conta de que estão perdendo algo. Não acho que ninguém vá se livrar dos smartphones e de enviar mensagens por texto. Mas, talvez, ver uma pessoa presencialmente será algo mais difícil.
Você acha que as redes sociais podem contribuir para a intolerância?
Sim, e já fazem isso. As pessoas não precisam se responsabilizar pelo que expressam, porque adquirem o total anonimato. As redes sociais podem ser um ambiente muito hostil. Presencialmente, as pessoas provavelmente nunca teriam coragem de falar tudo o que escrevem, porque o outro reagiria. Mas, na internet, você sai impune, não há consequências. As redes sociais ainda estão na era do faroeste. Tenho a esperança de que haverá mais vigilância editorial e regulação no futuro.
Facebook e Google estão fazendo esforços nesse sentido...
É um esforço muito precário. Eles foram muito prejudicados pela própria participação na onda de fake news e de discursos de ódio. Como o monitoramento é robótico, por algoritmos, havia anúncios em páginas destinadas apenas a propagar discursos de ódio. E as empresas anunciadas começaram a reclamar que não desejavam estar relacionadas a esses discursos. Facebook e Google estão começando a acordar, mas estão atrasados para o jogo.
Se as redes sociais têm todos esses efeitos, por que as buscamos e, de alguma forma, ficamos viciados nelas?
Elas ativam a mesma rede de neurônios envolvida em outros vícios e nos dão uma descarga de dopamina. Notificações ativam uma rede chamada de "esquema de reforçamento variável". Funciona assim: você ficará entediado se souber o que acontecerá sempre que olhar o telefone. Mas se de vez em quando nada acontecer no telefone e, em outras vezes, algo muito legal aparecer na forma de uma notificação, é como ganhar na loteria. E isso deixa o seu cérebro sempre querendo mais. Não é necessariamente uma coisa ruim se você sabe que precisa controlar. Contudo, pais que entregam celulares por horas aos filhos de três anos não sabem que isso também é viciante para as crianças da mesma forma como para os adultos. Há neurocientistas trabalhando no Vale do Silício para deixar essas tecnologias extremamente atrativas e capazes de nos dar mais recompensas neurológicas. Costumávamos sonhar acordados e ficar perdidos nos pensamentos ao olhar para a janela. Agora, nosso tempo livre é usado nesses aparelhos.
Por que tememos o tédio?
Não acho que tememos o tédio, mas, sim, que temos muitas alternativas agora. Você nunca precisa ficar entediado. Você sempre tem a música para ouvir sozinho, segundo sua escolha individual, ou qualquer outro leque de escolhas ilimitado. Mas, como disse, tudo é arquitetado para ser aditivo. Na minha palestra (no começo de dezembro), mencionei que muitos líderes do Vale do Silício enviam filhos para escolas Waldorf (a metodologia dessas instituições preconiza o baixo contato dos alunos com tecnologias artificiais). E eles organizam seus lares de forma a limitar o acesso para a internet, não só para as crianças, mas para eles. Deram-se conta de que é um ambiente que corrompe. Não é como se devêssemos deixar de usar essas tecnologias, mas temos de ter consciência de que precisamos controlá-las, antes de que elas nos controlem.
Qual foi sua maior surpresa ao ir para a Sardenha realizar a pesquisa que resultou em The Village Effect?
Fui lá originalmente para fazer um documentário de rádio para a CBC. Nas entrevistas com centenários, eu tinha um intérprete e um cientista local que me ajudou a encontrar as pessoas. Mas, a cada vez em que visitava a pessoa, havia muitas outras ao redor e eu não conseguia um som bom para ser gravado. Havia sempre vizinhos e familiares o tempo todo. Foi um problema para o documentário, mas foi interessante ver como eles nunca estavam sozinhos.
Isso não é tipicamente o que as pessoas pensam da Itália?
É um estereótipo, mas esse comportamento é mais acentuado nessa área mais isolada, onde as pessoas precisaram contar umas com as outras de uma forma que não ocorreu tanto em outros lugares da Europa. É por isso que vemos uma grande diferença na expectativa de vida entre essa área e outros países. Há algo na psicologia evolutiva chamado de altruísmo receptivo. Em outras palavras, quando fazemos algo bom para o outro, sabemos que, em algum ponto, elas farão algo em retorno. Psicólogos evolutivos dizem que desenvolvemos isso com pessoas com quem compartilhamos genes. Lá, em Villagrande, as pessoas realmente estão relacionadas. Imagine se pessoas fizessem coisas boas para as outras aqui (cidade) como se todos fôssemos parentes. Isso acontece lá: as pessoas se ajudam, o que é importante para a longevidade.
O que mais você aprendeu para a sua própria vida ao viajar para lá?
Mudou minha vida. A vida de um escritor pode ser bastante solitária. Eu trabalhava em um laboratório com médicos e assistentes sociais, era um lugar bem movimentado. Agora, como escritora, passo bastante tempo sozinha. Então, comecei a pensar em formas de ter mais contato social no dia a dia. Eu costumava nadar sozinha em uma piscina. Depois da viagem, comecei a nadar em um time. Esse tipo de contato social no vestiário, com todo mundo conversando sobre família, filmes e saúde. As pessoas se ajudam. Ao ter isso, eu posso ir para casa e ficar sozinha por cinco ou oito horas na frente da tela de um computador.
A conversa de elevador é importante para a nossa saúde? Normalmente damos importância apenas para interagir em família e com os melhores amigos.
Sim. Tanto a conversa de elevador quanto aquelas com os "laços fracos", as pessoas que não são tão próximas de você, mas que você encontra regularmente, como um colega de trabalho ou um vizinho. Essa conversa boba de "você viu o jogo ontem?", "você viu aquele gol genial?" parece não ter sentido, mas tem grande importância. Isso foi um dos achados que mais me impressionaram durante minha pesquisa. A interação protege mais a saúde do que perder peso ou parar de fumar. Há milhares de estudos mostrando a importância de fazer exercícios para a longevidade, mas é mais importante não estar sozinho. As pessoas ainda estão empolgadas com as novas tecnologias, o que é normal – basta lembrar quando surgiram o carro e a TV.
Você mencionou na palestra que brasileiros são afetuosos – cumprimentamo-nos com um beijo na bochecha. Quais são suas impressões sobre o povo?
Estou aqui há apenas quatro dias, não sou uma grande autoridade. Mas minha impressão é de que o povo é… Você fala francês? Os brasileiros são chaleureux (calorosos). E não têm medo de expressar as emoções. É um alívio e um prazer ver as pessoas interagindo dessa forma. Entretanto, também é triste ver o modo como as pessoas não se sentem livres para interagirem na rua, seja porque as cidades foram desenhadas de forma a ter poucos espaços públicos de encontro, seja pela insegurança.
Será que os brasileiros nascem com maior tendência para terem um efeito vilarejo?
Não fiz pesquisa suficiente para dizer isso. Contudo, se as pessoas fizerem disso uma prioridade, o efeito vilarejo pode ser alcançado facilmente. Acho que por isso os brasileiros recorrem às redes sociais com tanto entusiasmo (o Brasil é o segundo país com mais usuários no Facebook, atrás dos Estados Unidos). No voo para o Brasil, as comissárias de bordo brasileiras reconheciam alguns dos passageiros e diziam "bem-vindo de volta, senhor fulano". Adorei.