Ao encerrar o ciclo do Fronteiras do Pensamento deste ano, em Porto Alegre, a psicóloga Susan Pinker pediu que as pessoas "construam seus próprios vilarejos". A metáfora faz referência ao livro, publicado em 2014, The Village Effect: How Face-to-Face Contact Can Make Us Healthier and Happier ("O efeito vilarejo: como o contato presencial pode nos deixar mais saudáveis e felizes", em tradução livre). Em suma, uma defesa de que laços com a comunidade e interação presencial com amigos, parentes e vizinhos são essenciais para a saúde e a longevidade. Na noite desta segunda-feira (4), no Salão de Atos da UFRGS, a canadense especialista em mente humana defendeu que a interação social é tão importante para nosso bem-estar quanto o cuidado com alimentação, exercício, álcool e tabagismo. E, com isso, expressou temores em relação a ferramentas digitais.
— O contato social é uma necessidade biológica. A tecnologia não substituirá a janta com amigos. Ao longo de 10 mil anos, desenvolvemos formas de detectar sinais de benefício e de ameaça em interações presenciais. A sociedade de hoje nos leva a sermos mais individualistas, mas devemos fazer o esforço de escutarmos nossa biologia. Não só porque é bom, mas porque é divertido — defende.
Professora universitária e terapeuta por mais de 25 anos, colunista de comportamento no The Wall Street Journal e também autora do famoso – e controverso – O Paradoxo Sexual (Editora Best-seller, 2010), no qual tenta entender as raízes das diferenças entre homens e mulheres nas escolas e no mercado de trabalho, Susan substituiu a filósofa norte-americana Martha Nussbaum, que cancelou a palestra por problemas médicos.
A fala da psicóloga canadense começou com relatos de sua pesquisa de campo na Sardenha, ilha italiana entre a Córsega e a Tunísia, que resultou em The Village Effect. O vilarejo de Villagrande, localizado em uma área montanhosa da ilha, é o epicentro da "Zona Azul", um território onde o número de idosos com mais de cem anos é 10 vezes maior do que nos Estados Unidos e no resto da Europa. E a expectativa de vida deles é igual à das mulheres — no mundo, elas vivem de seis a oito anos a mais do que homens, em média. A comunidade foi formada há séculos, quando alguns italianos decidiram fugir dos ataques de piratas norte-africanos na costa. Graças ao isolamento geográfico e ao inimigo comum, os villagrandianos se uniram.
Ao entrar na casa dos locais, conhecer suas famílias e seus hábitos de vida, Susan encontrou uma particularidade: todos mantêm laços extremamente fortes com família, amigos, vizinhos e conhecidos. Apesar da idade extremamente avançada, os nonagenários e centenários esbanjam vitalidade: moram em casa de forma independente, passeiam pelas ruas, cozinham raviólis para a família e até caçam javali.
Filhos, mesmo que morem a centenas de quilômetros, visitam a família uma vez por semana. E a prole que não sai da cidade cuida dos mais velhos de bom grado. A psicóloga relembra quando questionou uma mulher sobre as dificuldades em cuidar do tio, um rabugento centenário que vivia em uma cadeira de rodas. Como resposta, a pesquisadora levou um puxão de orelha: a sobrinha enxergava o tio como legado da família e encarava a responsabilidade como privilégio. São justamente hábitos nessa linha que constituem o que a psicóloga chama de "efeito vilarejo".
— O cuidado com os outros é essencial no dia a dia e virou parte da identidade desse vilarejo. Hoje, o isolamento social é um dos principais riscos para a saúde. Cerca de 25% da população mundial só tem duas pessoas para se apoiar. Em 1980, eram 8%. Em Villagrande, esse isolamento não existe. A coesão ajuda a manter os idosos vivos — diz Susan.
Os resultados da pesquisa ressaltam a importância do contato presencial (inclusive da conversa superficial com o vizinho) para a saúde, sobretudo em meio ao aumento do isolamento em países mais ricos. A ciência sabe, hoje, que integrar-se à comunidade e sentir-se amado fortalece nossa imunidade, libera hormônios ligados à felicidade e ao relaxamento, como a oxitocina. Ter uma boa rede de apoio, por exemplo, melhora as chances de vencer um diagnóstico ruim e pode até afetar a velocidade com que tumores crescem.
Redes sociais vão contra nosso instinto
De forma crítica, Susan questionou o impacto das redes sociais no fortalecimento do tecido social. Pela comodidade, muitas vezes interagimos online e postergamos encontros presenciais. Mas, apesar de redes sociais serem uma ponte para o contato, os efeitos gerados em nossa mente não são os mesmos. Pesquisas indicam que o contato pela internet não gera os mesmos benefícios do que o encontro face a face, como a ativação de zonas ligadas ao prazer e ao relaxamento.
— A tecnologia é boa para você fazer um Skype quando não tem interação presencial nenhuma da mesma forma como uma barra de chocolate é ótima quando você está morto de fome. Não quero ser totalmente pessimista, mas se você não renova presencialmente uma relação entre 12 e 24 meses, você a substitui. É importante fazer o esforço de nutrir as amizades — diz.
A interação virtual, argumenta Susan, não traz "sinais de honestidade", nome dado a movimentos inconscientes feitos pelo corpo da pessoa com quem conversamos e que são captados pelo nosso cérebro. Entre eles, o balançar da cabeça que mostra concordância, o gesticular das mãos que demonstra interesse ou mesmo a fluidez e consistência da fala, demonstrando que há feedback.
Como saída para fortalecermos os laços em comunidade nas grandes cidades, Susan cita os terceiros espaços — áreas para as pessoas se reunirem, ao ar livre, que não são o trabalho ou a nossa casa. Vale, aqui, bancos em praças ou parques, por exemplo.
— Ações assim criam o efeito vizinhança. Cidades sem isso pagam o preço. Terceiros espaços não precisam ser caros ou charmosos, precisam apenas ter gente. O contato social é uma necessidade biológica, assim como comida e sexo — avalia.
Como reflexão, ela propõe que a humanidade envelhecerá cada vez mais tarde. Em meio à longevidade estendida, ela faz o alerta: precisemos começar agora a construir nosso "vilarejo", em nome de uma aposentadoria saudável.
O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é apresentado por Braskem, com patrocínio Unimed Porto Alegre e Hospital Moinhos de Vento; parceria cultural PUCRS e Instituto CPFL; e empresas parceiras CMPC Celulose Riograndense, Souto Correa, Sulgás e Thyssen Krupp. Parceria institucional Fecomércio e Unicred, apoio institucional Embaixada da França e Prefeitura de Porto Alegre. Universidade parceira: UFRGS. Promoção: Grupo RBS.