No final do século passado e no início dos anos 2000, era tema corriqueiro entre os clubes brasileiros a busca das chamadas parcerias. O Palmeiras era o exemplo de sucesso com a Parmalat, o Corinthians havia sido campeão num modelo parecido, associado ao Banco Excel-Econômico, e Grêmio e Flamengo estavam associados à gigante do marketing esportivo ISL.
Os resultados de tais negócios, bons e maus, todos sabemos e já foram bem discutidos. O caso do Inter, no entanto, foi diferente e curioso, tendo merecido criteriosa e determinante ação dos dirigentes da época. A negociação não atingia diretamente a gestão do futebol, mas tinha a ver com o patrimônio do clube. Entre outras coisas, o possível parceiro propunha a demolição do Estádio Beira-Rio.
O ano foi 2001 e o presidente do clube, Fernando Miranda, estava em final de mandato, sem pretensão de concorrer à reeleição. Um grupo investidor de Portugal se aproximou do Inter e propôs uma parceria. A ideia era a construção de um novo estádio, com a área do complexo Beira-Rio dando origem a um grande empreendimento imobiliário. Miranda não achou absurda a proposta, mas, diante da magnitude de seus efeitos, disse aos interessados que só poderia tomar alguma decisão respaldado pelo Conselho Deliberativo.
O dirigente disse que só trataria do assunto se, antes de qualquer início de obra, fosse dado ao clube um novo Centro de Treinamento totalmente projetado pelo Inter, de acordo com suas necessidades, e que o empreendimento imobiliário só poderia iniciar suas obras após a conclusão do novo estádio. Os portugueses demoraram algumas semanas e praticamente aceitaram as condições.
Sem impor nenhum parecer pessoal aos proponentes, Fernando Miranda buscou líderes e pessoas com história no clube como forma de apresentar o tema. Também colocou claramente ao Conselho Deliberativo o que estava acontecendo e deixou para o órgão a decisão. O legislativo colorado não mostrou interesse na parceria. Miranda foi muito cobrado ao longo de seu mandato pela busca de investimento externo. Nunca se mostrou totalmente avesso, mas, como neste caso, foi zeloso e dividiu responsabilidades.
Naquela época, a Europa vivia uma proliferação da renovação radical de estádios. Na Inglaterra, o lendário Wembley já estava fechado para a demolição e construção de uma nova casa para a seleção inglesa. Portugal, por sua vez, se preparava para sediar a Eurocopa de 2004 que, entre outras obras, teve a da demolição do velho Estádio da Luz em Lisboa para a construção da nova casa do Benfica. O grupo português que procurou o Inter estava associado ao Banco Espírito Santo, instituição que chegou a ser o maior patrocinador do futebol de seu país e que veio a falir em 2014.
Passados os anos, o Beira-Rio foi reformado sob um outro modelo de negócio com quem o remodelou, sediou jogos da Copa do Mundo de 2014, completou 50 anos em 2019 e é reconhecido como um estádio moderno e muito bonito. Poucos lembram, porém, que, há quase 20 anos, um grupo econômico propôs que ele fosse posto abaixo. Valeu a postura do presidente de então que ouviu os proponentes, fez exigências iniciais, mas que dividiu a decisão, evitando que o clube corresse riscos. Duas décadas depois, se tem a certeza de que os colorados acertaram.