SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O vestiário do Estádio Olímpico de Tóquio estava em silêncio quando a voz de Luiz Felipe Scolari o quebrou. De pé em frente aos jogadores, ele pediu que todos levantassem a cabeça porque o Palmeiras tinha jogado bem e teria uma nova chance no Mundial de Clubes.
A equipe brasileira havia sido derrotada minutos antes pelo Manchester United (ING) por 1 a 0. A partida, que completa 20 anos neste sábado (30), ficou marcada na memória palmeirense por motivos que vão além do placar.
Alex anotou o gol de empate, mas o lance foi anulado por impedimento inexistente, em uma época sem VAR. Poucos clubes brasileiros, em confrontos com europeus, desperdiçaram tantas oportunidades para marcar.
"A bola estava na área deles o tempo todo. Não era a nossa noite. A gente atacou o jogo inteiro", diz o centroavante Oséas, que entrou durante o segundo tempo e perdeu a melhor chance palmeirense. Após cobrança de escanteio, a bola sobrou para ele na pequena área. O centroavante chutou em cima do goleiro australiano Mark Bosnich.
O Palmeiras passou quase seis meses pensando no Manchester United. A equipe inglesa venceu a Champions League na mesma data em que o futuro adversário derrotou o River Plate (ARG) na partida de volta da semifinal da Libertadores: 26 de maio de 1999. O placar de 3 a 0 foi uma das maiores atuações do time de Felipão, que depois conquistaria o título nos pênaltis diante do Deportivo Cali (COL).
O clube britânico viajou para o Japão envolvido em polêmica. Pressionado pela Federação Inglesa para aceitar participar da primeira edição do novo Mundial de Clubes, que seria realizado no Brasil em janeiro de 2000, o United queria o direito de entrar de forma direta na 5ª fase da Copa da Inglaterra, o torneio mais antigo do planeta. Como o pedido foi negado, abdicou da competição.
Havia também a discussão, comum na América do Sul até hoje, sobre o representante europeu levar a sério ou não a partida. Os jogadores de Felipão deixaram o Brasil falando em "jogo da vida". Quando terminou, os vencedores comemoraram de forma discreta, com batidas de mãos e tapinhas nas costas.
"Levamos a sério porque Sir Alex [Ferguson, o técnico] jamais permitiria que encarássemos de outra maneira. Ele nos mataria no vestiário. Mas é claro que para nós não era uma final de Champions League. São coisas bem diferentes", afirma Denis Irwin, lateral esquerdo titular no confronto em Tóquio e jogador do United de 1990 a 2002.
A derrota no Japão ainda marca o Palmeiras 20 anos depois. Algo que vai além da ironia dos rivais de que o clube "não tem mundial". A piada não existia na época e só se tornou popular a partir de 2012, quando o Corinthians foi campeão da Libertadores e pôs fim à zombaria de que não conquistava a copa continental.
"Eu nunca [mais] pensei nesse jogo. O que me lembro é ter deixado o Alex na cara do gol no lance em que só o bandeirinha viu impedimento. Recordo também que criamos muitas chances", diz Evair, artilheiro de 127 gols pelo time, bicampeão brasileiro, paulista (1993 e 1994), da Copa do Brasil (1998) e da Libertadores, à reportagem.
Ele ainda se aborrece com esta final duas décadas depois. A persistente melancolia não se deve apenas ao resultado. É por ter ficado no banco de reservas e entrado aos 9 minutos do segundo tempo.
"Eu já imaginava que não seria titular por tudo o que aconteceu na Libertadores. Na decisão [diante do Deportivo Cali] já não havia sido titular. Também teve a contratação do [colombiano] Asprilla, que ninguém entendeu. Fiquei bem chateado mesmo. Era a partida em que eu poderia encerrar a carreira no dia seguinte", completa.
Os 36 minutos em Tóquio foram os últimos de Evair com a camisa do Palmeiras. Depois ele passou por São Paulo, Goiás, Coritiba e Figueirense antes de se aposentar.
Oséas, Cléber e outros jogadores daquele elenco afirmam que estavam todos preparados para o Manchester United. Eles haviam assistido a vídeos e mais vídeos das jogadas do rival e como saíam os seus gols.
"A gente estava pronto para anular as jogada deles. Uma delas era o cruzamento do Giggs no primeiro pau", disse Marcos na época.
Quando o meia-atacante saiu desse script, não houve resposta. Ele levantou a bola na segunda trave e Marcos a esperava no local alertado por Felipão. O volante Roy Keane completou para o gol vazio.
"O Palmeiras não tem mundial por minha causa", o goleiro constatou 20 anos depois, para o canal Desimpedidos, do Youtube.
Um dia antes do jogo, a mãe do jogador, Antônia Reis, havia dito até aceitar a derrota. Seu único medo era o filho cometer uma falha que comprometesse o resultado.
O lance decisivo saiu pelo lado esquerdo mas, na noite anterior à partida, o lateral Júnior estava aterrorizado com a possibilidade de o Manchester United vencer em lançamentos de David Beckham pela direita. Chegou a pensar em não entrar em campo, contou César Sampaio para a ESPN Brasil.
Ryan Giggs ganhou o carro Toyota (patrocinadora) da competição para o melhor em campo. Era o veículo que, nos dias anteriores, os jogadores do Palmeiras especulavam qual deles receberia, talvez pelo gol do título.
Apesar das palavras motivadoras de Scolari, a equipe não voltou ao Mundial desde então. Chegou perto no ano seguinte, quando perdeu na final para o Boca Juniors (ARG). Caiu também nas semis para o mesmo adversário em 2001 e 2018.
Nunca o Palmeiras esteve tão perto da conquista do que há 20 anos, na noite fria de Tóquio, manhã no Brasil. A constatação de que a importância da vitória não era a mesma para o Manchester United aconteceu no mês seguinte, quando o elenco do clube britânico estava no Rio de Janeiro para a disputa de um Mundial em que o elenco passou mais tempo na praia e em boates do que em campo.
Um torcedor (provavelmente de um rival palmeirense) encontrou Roy Keane e o agradeceu pela vitória no Japão. Diante da pergunta de como se sentiu ao fazer o gol do título, o eternamente mal-humorado irlandês não respondeu nada. Apenas bateu a mão no bolso.
Referia-se ao prêmio em dinheiro pela conquista.
FICHA TÉCNICA
Manchester United 1x 0 Palmeiras
Estádio Nacional de Tóquio, 30.nov.1999
Gol: Roy Keane aos 36' do 1º tempo
Manchester United: Bosnich; G.Neville, Stam, Sylvestre, Irwin; Butt, Keane, Scholes (Sheringham aos 30' do 2º tempo), Beckham, Giggs; Solskjaer (Yorke no intervalo). T: Alex Ferguson
Palmeiras: Marcos; Arce, Júnior Baiano, Roque Júnior, Júnior; Cesar Sampaio, Galeano (Evair aos 9 do 2º tempo), Zinho, Alex; Asprilla (Oséas aos 11 do 2º tempo), Paulo Nunes (Euller aos 32 do 2º tempo). T: Luiz Felipe Scolari
O PALMEIRAS TEM TÍTULO MUNDIAL?
O clube considera a conquista da Copa Rio de 1951 como um título mundial. Em 2014, ano em que o Brasil sediou a Copa do Mundo, o Palmeiras contou com lobby do então ministro do esporte, o palmeirense Aldo Rebelo, e recebeu um fax enviado pelo secretário-geral da Fifa à época, Jérôme Valcke, reconhecendo a competição como o primeiro título mundial de clubes da história. Em 2017, porém, o conselho da Fifa homologou somente a Copa Intercontinental, disputada entre 1960 e 2004, como um título mundial, a exemplo do Mundial de Clubes organizado pela Fifa a partir de 2000. O conselho não considerou a Copa Rio, torneio realizado no Brasil em 1951 e 1952, como mundiais.