Acima de tudo um gremista. Assim pode ser apresentado Júlio Titow, descendente de russos e cujo nome era para ser Yuri. Mas o registro não foi permitido pelo cartório e gerou um apelido imortalizado na história do futebol gaúcho: Yura. Aos 68 anos, o homem que em 1977 era o único jogador do Grêmio formado no clube e titular do time campeão estadual depois de um jejum de oito anos, que marcou o gol mais rápido da história do clássico Gre-Nal e que deu a assistência para o gol do título, segue vivendo intensamente o dia a dia do clube como diretor da categoria feminina. A empolgação segue a mesma de quem se notabilizou pela garra e pela devoção à camisa tricolor.
Yura foi o convidado do "Cardápio do Zé" neste mês de dezembro. Falou dos tempos de jogador, comentou sobre seu "gremismo" sem esquecer reverências e reconhecimento ao rival Inter e se mostrou um fã incondicional de Renato Portaluppi e do presidente Romildo Bolzan Júnior.
— Quando o Renato chegou para jogar no Grêmio em 1980, eu disse para o Tarciso: "Este vai te tomar a posição". É um cara espetacular. O presidente Romildo faz um trabalho fantástico e já está se colocando ao lado do Hélio Dourado e do Fábio Koff como um dos três melhores dirigentes da história do Grêmio. Ele me pediu para assumir o futebol feminino e eu aceitei. Não ganho nada para isso e conheci um trabalho novo que está me envolvendo muito com uma turma que também não ganhava nada e que agora vive uma situação de profissionalismo.
O nome de Yura está na história do futebol gaúcho por ter marcado em 1977 o gol mais rápido da história do Gre-Nal — aos 14 segundos do clássico que deu ao clube o título do segundo turno do Gauchão. Um mês depois, ele deu o passe para André Catimba marcar o gol do título. Aquele gol e aquele campeonato foram o ápice da carreira do meia que tinha 24 anos.
— A jogada do gol dos 14 segundos era treinada, mas não dava certo. O Telê Santana até tinha mandado a gente parar de tentar, mas naquele dia desobedecemos e deu no que deu. E ainda foi em cima do Manga que, para mim, foi o maior goleiro do mundo. Aquele campeonato de 1977 foi sensacional. O Telê era genial, os jogadores que vieram de fora entenderam nossa necessidade de seremos campeões. Até em um convento nós nos concentramos para ganhar o campeonato.
Quando jogador, Yura era ídolo, mas viveu momentos de críticas e vaias. Sua identidade com o clube não era suficiente para evitar cobranças que ele diz entender.
— Eles me vaiavam porque eu ia para a noite. Não ficava sem sair e tinha uma mesa reservada sempre no bar do Lupicínio Rodrigues, que gostava muito de mim. Só que nunca deixei de jogar ou treinar por causa disso e ainda tinha consciência de que era preciso se concentrar antes dos grandes jogos. Eu que sugeri a ida para o convento em Viamão antes do Gre-Nal de 1977.
Sou muito grato ao Luan. O que ele fez pelo Grêmio está na história. Jogou muito. Deu uma Copa do Brasil e uma Libertadores para o clube
YURA
Recentemente, o Grêmio se desfez de Luan, jogador que recebeu muitas cobranças nos últimos tempos, mas que foi fundamental em conquistas tricolores. Yura acha que a saída se deu em uma hora adequada, mas diz que não esquecerá o que o meia fez pelo clube.
— Eu sou muito grato ao Luan. O que ele fez pelo Grêmio está na história. Jogou muito. Deu uma Copa do Brasil e uma Libertadores para o clube, foi melhor da América. Agora não tinha mais como ficar. O clube vendeu bem. Ele queria sair e podia acabar não rendendo nada para nós (Grêmio). Foi um grande negócio do presidente Romildo. Quando ele vier jogar aqui contra o Grêmio, faço questão de aplaudi-lo e acho que todos os gremistas têm de fazer isso também.
Campeão gaúcho como protagonista em 1977, Yura se emociona ao falar que, depois daquele título, não jogou futebol por muito tempo, encerrando a carreira três anos após por causa de um problema nos quadris. Já sabendo da dificuldade física, quase foi contratado pelo Inter em 1980, mas não teve coragem de vestir a camisa do rival.
—Na hora da assinatura eu disse: "Não vai dar". Foi também em respeito ao Inter, pois eu já sabia de meu problema e que não poderia render bem. Isso, misturado ao meu sentimento com o Grêmio, foi definitivo. Sempre tive o maior apreço pela instituição e pelos colorados.
Um de seus maiores amigos entre ex-rivais é Paulo Roberto Falcão. Yura o marcava implacavelmente, protagonizando duelos que ficaram famosos. O ex-meia gremista não esconde a admiração pelo colorado e cobra um reconhecimento maior por parte do clube.
Não sei como o Inter não ergueu uma estátua para o Falcão
YURA
— Não sei como o Inter não ergueu uma estátua para o Falcão. Ele era espetacular. O Grêmio fez o certo e tem lá a estátua do maior nome de sua história. O Renato foi tudo como jogador e agora repete a dose como treinador.
Sempre entusiasmado, Yura conta que recebeu a missão de organizar o departamento de futebol feminino do clube em 2015. Há algum tempo, ele deixou de ser conselheiro gremista e lembrou que em sua época de Conselho Deliberativo, fazia contribuições financeiras para a instituição. Agora, o trabalho é totalmente voluntário, já tendo rendido o título gaúcho de 2018 e muitas emoções no convívio com as jogadoras e a comissão técnica. conselheiro há algum temo clube
— É um trabalho de muito sacrifício. Treinávamos às 11 da noite nos campos das escolinhas. Não havia dinheiro. As meninas só comiam bolacha e sanduíche, e os maridos ficavam brabos porque elas jogavam futebol. Agora temos o Vieirão, em Gravataí, como casa do futebol feminino do Grêmio. O local é exemplo no Brasil e as jogadoras recebem um salário decente. Hoje, os maridos incentivam as mulheres. Algumas ganham mais do que eles (risos). Formamos um grupo muito unido. Nunca chorei tanto quanto na conquista do título gaúcho no ano passado no Beira-Rio.
Cultivando amigos como o cantor João de Almeida Neto, com sucesso na profissão de empresário no setor na odontologia, ainda fiel às origens na Vila Floresta em Porto Alegre e mantendo o Grêmio ao "lado de Deus e da família" como suas razões de realização, Yura garante que já pediu ao presidente Romildo Bolzan Júnior um aporte maior de recursos para a temporada feminina em 2020 e recebeu bons indicativos de que o receberá para poder dispensar atletas e contratar pelo menos seis reforços.
Confira a íntegra da entrevista de Yura a José Alberto Andrade no Cardápio do Zé:
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