Confesso a vocês que cheguei a ficar nervoso na tarde de quarta-feira (30), quando tive a oportunidade de entrevistar, com exclusividade no Brasil, um dos principais atores de uma das melhores séries da atualidade: Jack Lowden, que interpreta River Cartwright em Slow Horses, lançada em 2022 pelo Apple TV+, ganhadora do Emmy 2024 de roteiro por Negociando com Tigres, escrito pelo inglês Will Smith para a terceira temporada, e já renovada para uma sexta leva de episódios.
Baseada nos romances de espionagem publicados por Mick Herron, Slow Horses gira em torno de Jackson Lamb, personagem encarnado pelo excelente Gary Oldman. Trata-se de um sujeito que está sempre bêbado ou de ressaca e que faz da sua experiência como agente secreto, da sua malícia com as palavras e da sua flatulência um arsenal. Ele comanda o departamento para onde são escanteados os funcionários do MI5 (o serviço de inteligência britânico) que cometem uma barbeiragem. Entre eles, está River, que, no episódio de estreia, faz uma tremenda besteira ao tentar identificar e capturar um suposto terrorista no Aeroporto de Stansted, em Londres.
Escocês de 34 anos, Jack Lowden foi coadjuvante em Dunkirk (2017), protagonista em Calibre (2018) e é casado com a atriz Saoirse Ronan. Na entrevista realizada via Zoom, em uma cortesia do Apple TV+ para a coluna, o ator se concentrou nos acontecimentos da quarta temporada, que teve seu sexto e último capítulo disponibilizado pela plataforma de streaming no dia 9 de outubro. Portanto, alerto que haverá spoilers.
River Cartwright começou querendo provar que era melhor do que os "slow horses" (pangarés), querendo mostrar que não pertencia àquele lugar. Depois de quatro temporadas, River continua querendo deixar a equipe de Jackson Lamb?
Acho que sim. Acho que ele está relutantemente gostando bastante de Jackson e, em particular, provavelmente de um dos slow horses. Mas acho que sim, acho que ele ainda gostaria de voltar à grande liga, por assim dizer, e voltar ao "parque" do MI5. Acho que a presença do avô (David Cartwright, um astro aposentado do MI5, papel de Jonathan Pryce) ainda é muito grande, e provar seu valor ao avô provavelmente ainda é o objetivo principal.
Seu personagem já traz no nome uma ideia de movimento, de fluxo contínuo. E, de fato, River está quase sempre correndo em Slow Horses. Você tem que ter um preparo físico para interpretar o papel?
Eu gosto. Na verdade, gosto bastante de correr. Mas não preciso estar em condições físicas de ponta. Acho que nunca estive em condições físicas de ponta, mas só preciso ter certeza de que consigo colocar um pé na frente do outro, o que é muito divertido. Mas sou muito bem cuidado. Há muita correria, mas na verdade, durante o período de cerca de seis meses de gravações, há muito pouco, o que provavelmente reflete bastante como é no mundo real da espionagem. Deve haver muita gente que só fica sentada atrás de uma mesa.
Acredito que os espectadores de Slow Horses se identificam com os personagens porque os enxergam como vítimas do que o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han chama de Sociedade do Cansaço, um fenômeno caracterizado por um ritmo acelerado, uma pressão constante e uma cultura que valoriza a produtividade e o sucesso a qualquer custo. Você vê relação entre a série e os tempos que estamos vivendo?
Esse é um ponto brilhante. Acho que é realmente muito triste a forma como a vida às vezes funciona no Reino Unido. As pessoas almoçam em sua mesa de trabalho. Há um elemento workaholic na vida no Reino Unido, e o senso de comunidade foi disperso, lentamente corroído nos últimos 30, 40 anos. É uma sociedade muito individualista. Então, acho que Slow Horses é maravilhosamente representativa. Os escritórios em que os personagens trabalham são um lugar bastante miserável. Mas mesmo os escritórios sofisticados do MI5 são bastante desalmados. Em última análise, todos só pensam em si próprios. Acho que isso reflete enormemente a sociedade britânica.
Os roteiristas jogam uma espécie de roleta russa. Eu adoraria saber como são feitas as escolhas de quem vai morrer a cada temporada. Sempre que recebemos os scripts, a maior parte do elenco corre para o final e diz oh, meu Deus, graças a Deus ainda estou vivo.
E como você vê a proximidade das tramas de Slow Horses com questões da geopolítica? A temporada 4 mostrou como as grandes nações têm terríveis esqueletos no armário, como a contratação de mercenários assassinos para fazer o trabalho sujo.
Os roteiristas de Slow Horses fizeram um trabalho muito bom com os bandidos, por assim dizer, sempre trazendo alguém diferente a cada temporada, porque acho que no mundo existem muitos tipos diferentes do que você poderia chamar de bandidos. Mas gosto bastante do fato de Slow Horses também se concentrar nos problemas internos, particularmente com o problema da extrema direita que está a emergir, não apenas no Reino Unido, em todo o mundo. Gosto de a série destacar o terrorismo doméstico. Penso que os roteiristas fizeram de forma muito delicada e maravilhosa, destacando também algum tipo de hipocrisia na nossa sociedade. E, como você disse, acho que algumas pessoas que trabalham em espionagem têm de fazer algumas coisas horríveis de que nenhum de nós sabe. E provavelmente ficaríamos muito horrorizados se soubéssemos.
Um dos aspectos mais eletrizantes de Slow Horses é a incerteza: não sabemos se todos os personagens sobreviverão no final da temporada. Para mim, o fato de os créditos de abertura não mostrarem o elenco completo é como um alerta de que ninguém está seguro.
É muito típico da série que haja tantos segredos, que os roteiristas queiram brincar com sua mente. Algumas pessoas podem morrer ou estar mortas, talvez não. É uma espécie de roleta russa que eles jogam: "Não se apaixone por alguém, porque ela pode literalmente levar um tiro". Eu adoraria saber como são feitas as escolhas de quem vai morrer, se eles apenas jogam uma moeda para decidir. Sempre que recebemos os scripts, corremos para descobrir. Posso falar em nome da maior parte do elenco que todos correm para o final e dizem "oh, meu Deus, graças a Deus ainda estou vivo". É muito divertido.
A temporada 4 de Slow Horses traz uma grande revelação sobre a família de River: o vilão que estava sendo caçado era seu próprio pai, Frank Harkness (papel de Hugo Weaving), um ex-agente da CIA. Essa situação remete, simultaneamente, à de Luke Skywalker e Darth Vader na saga Star Wars e a um conceito básico da psicanálise, o de matar o pai. O que se pode esperar dos próximos passos nessa trama?
Estou feliz por ele não ter matado o pai, porque isso seria um ato um tanto frio. Porque ele ainda deseja a aprovação do pai. Há um lindo momento na cena em que eles se conhecem, quando seu pai menciona que o está observando e que River está fazendo um bom trabalho, e aquilo faz bem para River. Mesmo que seu pai seja um maníaco assassino, ter aquela sensação de um pai assistindo a um filho em um jogo de futebol é muito bom. Eu realmente não sei o que vai acontecer, mas duvido que ele mate o pai. Espero que ele não mate o pai. Seria um episódio muito, muito sombrio se ele o fizesse.
E como você vê a relação entre River e Jackson Lamb?
Eu amo o relacionamento deles. Eu gostaria que fizéssemos um pequeno spin-off apenas deles, como uma viagem, apenas visitando alguns lugares do Reino Unido. Eles são realmente muito opostos. Jackson é um dinossauro comparado a River. Jackson é obviamente muito anti-PC (politicamente correto) e diz coisas terríveis, mas acho que River tem uma certa relutância em relação a tudo que Jackson faz porque ele é muito, muito, muito bom em seu trabalho. River realmente não entende como Jackson pode ser tão bom em seu trabalho se está sempre de ressaca ou bêbado.
Você tem alguma cena favorita nessa temporada, além daquela de River com seu pai?
É a cena do final da temporada, com River e Jackson no pub (quando, pela primeira vez, Lamb parece genuinamente empático com seu subordinado). É um momento tão lindo e nada artificial. A música de Nick Drake que toca (Hazey Jane, de 1971) foi uma bela escolha do diretor (Adam Randall).
Por fim, o que podemos esperar da quinta temporada?
É muito mais do que você já viu e já sabe. Continuamos sendo cavalos lentos que cometem erros, ainda que bem-intencionados. Não posso revelar muito ou serei levado para um quarto escuro em algum lugar.
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