Como a Marvel, apesar de tropeços artísticos e comerciais, tornou-se o paradigma dos filmes de super-herói, restou à Warner, dona da DC, casa dos personagens concorrentes, avacalhar o subgênero de ação e aventura.
Em 2021, a empresa gastou entre US$ 40 milhões e US$ 70 milhões para o diretor Zack Snyder apresentar a sua versão do famigerado Liga da Justiça (2017) — que não ficou muito melhor ao dobrar sua duração: são 240 minutos de muita breguice "sombria", muita câmera lenta e muita computação gráfica.
Depois, pagou mico com Adão Negro (2022): a aparição do Superman interpretado por Henry Cavill prometia um duelo de titãs com o anti-herói encarnado por Dwayne Johnson, mas dois meses após a estreia o primeiro ator foi aposentado do papel, e o segundo cortou relações com a Warner.
Agora, no mesmo mês em que afugentou os fãs do cinema ao transformar Coringa: Delírio a Dois (2024) em musical, a Warner, via HBO, lançou a série A Franquia (The Franchise, 2024), que tira sarro dos filmes de super-herói. Três dos oito episódios já estão disponíveis na plataforma Max — o quarto vai ao ar no próximo domingo (27).
O seriado foi criado por um trio britânico: Jon Brown, ganhador de três Emmys como um dos produtores de Succession (2018-2023), Armando Iannucci, um dos pais de Veep (2012-2019), e o cineasta Sam Mendes, oscarizado por Beleza Americana (1999) e indicado por 1917 (2019), que dirigiu o capítulo de estreia. A trama acompanha os atribulados bastidores de uma produção do fictício Maximum Studios. Trata-se de Tecto: O Olho da Tempestade, aventura solo de um personagem que tem poderes sísmicos, um título menor na comparação com o filme de equipe da franquia, Centurios 2. Por conta dessa escala de importância, da subserviência à linha cronológica e da rotina caótica nesse tipo de cinema, o time por trás de Tecto tem de lidar com graves mudanças de última hora, como a aniquilação de um povo que teria um papel de destaque na história.
Os currículos dos criadores de A Franquia prometiam mais sarcasmo, mais acidez, quem sabe um pouco de pimenta _ não espere proximidade com a pervertida sátira de The Boys (2019-). Talvez a série da Max, como o próprio subgênero que ridiculariza, aspire ser um programa de família, embora haja piadas — bem leves — sobre maconha e sexo, por exemplo. Ainda assim, recomendo tanto para quem gosta de super-heróis (é sempre saudável saber rir de si mesmo) quanto para quem não gosta (que terá uma validação de sua postura crítica): os 25, 27 minutos de cada episódio ajudam a relaxar a mente nas noites de domingo. E podem, sim, provocar algumas boas risadas.
Um dos acertos de A Franquia está na escalação dos personagens e do elenco. A série trabalha com arquétipos.
Dag (Lolly Adefope) é uma nova assistente, condição que permite ao roteiro fazer um tour pelo estúdio para apresentar a equipe de Tecto.
O diretor do filme, Eric (interpretado por Daniel Brühl, de Adeus, Lênin!), é um vanguardista alemão trazido para dar uma espécie de verniz artístico ao universo computadorizado dos super-heróis, mas é claro que a todo instante precisa se curvar a decisões mercadológicas ou caprichos de Shane, o chefão do estúdio — que, por enquanto, é uma entidade tão divina que não desce ao solo, só manda suas ordens e opiniões pela boca do assistente pessoal, Bryson (Isaac Powell).
Adam, o ator que encarna Tecto, é um sujeito bastante inseguro de seu talento dramático (e até de sua compleição física) — chega a ser metalinguística a escolha, para o papel, de Billy Magnussen, que jamais concorreu a algum prêmio individual de atuação. Pontos para a autenticidade!
O antagonista de Tecto, o Olho, é vivido por um ator britânico arrogante, Peter (Richard E. Grant, talhado para o personagem), que, a certa altura, afirma ter pólipos vocais por ter feito "TMT" — abreviação de "too much theater", teatro demais.
Vilã neonazista em The Boys, na pele de Tempesta, a atriz Aya Cash foi recrutada para encarnar em A Franquia a produtora Anita. Um de seus grandes desafios é atenuar a fama de ambiente machista e misógino dos filmes de super-herói — à frente e atrás das câmeras.
Quinn Walker (papel de Katherine Waterston) é uma atriz ganhadora do Oscar que enfrenta a cultura do cancelamento e a rede de ódio dos fãs — aí incluído o pediatra de sua filha. Em um post nas redes sociais, o médico escreveu que não ficaria triste se ela morresse atropelada.
E o ótimo Himesh Patel, da comédia romântica Yesterday (2019) e da minissérie Station Eleven (2021-2022), faz o personagem principal, Daniel, o primeiro assistente de direção. É ele quem carrega o piano, o que significa que, às vezes, precisa dizer verdades duras; em outras, precisa dizer mentiras deslavadas. Não à toa, vive estressado, o que já rendeu pelo menos uma cena engraçada, genial e assustadoramente familiar para aqueles que têm uma situação profissional semelhante, mesmo que em empregos diferentes e não tão glamorizados. É na abertura do segundo episódio — não vou descrever porque seria spoiler, um pecado mortal no universo dos super-heróis.
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