Um dos tantos filmes que o Guion me apresentou foi o alemão Adeus, Lênin!, isso há 18 anos. Conta a história de uma comunista ferrenha que, pouco antes da queda do Muro, na Alemanha Oriental, sofre um infarto e entra em coma ao ver o filho protestar contra o regime. É maravilhoso. Um ano depois, a mulher acorda com o Muro já derrubado, e o mesmo filho, temendo que ela morra com a novidade, faz de tudo para a mãe achar que nada mudou.
Que filmaço. Um filmaço que, como vários outros, só entrou em cartaz no Guion – e que, mais tarde, também como vários outros, acabou virando cult. É terrível o anúncio de que o Guion vai fechar em duas ou três semanas. Terrível não só para o cenário cultural, mas para a própria identidade de Porto Alegre.
Toda cidade tem alguns lugares, e não são muitos, que alcançam um raro status de símbolo, de ícone – isso ocorre quando o lugar exala um fascínio, um carisma, uma singularidade típica dos locais que conseguem ocupar uma lacuna que a cidade, antes, não preenchia. A Lancheria do Parque é um exemplo disso. A orla do Guaíba é outro. E o Guion também.
Assistir a um filme no Guion é sempre uma experiência diferente – ainda mais para a minha geração, que cresceu com a decadência dos cinemas de rua e se acostumou ao ambiente protocolar dos cinemas de shopping. No Guion, é verdade, as telas são menores e a tecnologia nunca foi de ponta, mas as poltronas são robustas e elegantes, as salas têm um charme retrô, a cafeteria passa longe da atmosfera impessoal do terceiro andar de um shopping center.
Mas o principal, claro, é a programação, que há quase três décadas apresenta alternativas ao circuito comercial. Se em 2003 não existisse o Guion, talvez eu nunca tivesse visto Adeus, Lênin!, um filme que me fez descobrir, aos 20 anos de idade, perspectivas novas sobre um tema fundamental. O que mais um cinema pode oferecer a alguém? Obrigado, Guion.