Faz uns 20 anos que frequento a Lancheria do Parque e tem algo ali que me intriga até hoje. Como eles fazem aquilo? Não sei se vocês já notaram – aliás, essa é outra dúvida que me persegue: será que os demais clientes também se assombram com o método meio, digamos, anárquico praticado há décadas pelos garçons?
É uma coisa impressionante, principalmente porque funciona. Tinha tudo para dar errado, mas não: em todas as centenas de vezes em que estive diante de uma daquelas mesas de granito bege, nunca houve atraso em qualquer pedido que eu tenha feito. Pelo contrário: ouso dizer que a Lancheria do Parque talvez ofereça um dos atendimentos mais ágeis de Porto Alegre. E o segredo só pode ser essa metodologia caótica em que os garçons se especializaram.
Por exemplo: você pede um suco de melancia, meu preferido, um clássico da Lancheria, aí o Vampeta balança a cabeça concordando, se afasta dois passos e grita:
– MELANCIA!!!
Ele não anotou nada, não usa bloco, não usa tablet, não se dirigiu a ninguém especificamente. Mas, em coisa de três minutos, aterrissa na mesa uma jarra de liquidificador com suco de melancia. É incrível! Claro, quando gritou, o Vampeta estava avisando os funcionários do outro lado do balcão, que são os responsáveis pelo preparo dos sucos e lanches.
Esses funcionários ficam de costas para os clientes. Trabalham concentrados em uma bancada comprida em frente à parede – não dão uma palavra, ninguém responde "ok" depois que o garçom grita "melancia", ninguém sequer olha para a cara do garçom, mas o esquema funciona infalivelmente.
Quando está cheia, então, a Lancheria vira a esculhambação mais organizada do mundo. O Vampeta, o Derick, o David, ficam todos berrando "melancia!", "prensado com ovo!", "vitamina mista!", "xis coração!" e, mesmo quando os pedidos são mais complicados – eu gosto de pedir prensado de salame no pão cervejinha com queijo duplo sem ovo –, eles continuam sem sacar uma caneta do bolso, e aquilo me dá uma angústia, fico pensando se os funcionários atrás do balcão vão ouvir tudo, se nenhum pedido vai escapar, se os garçons vão lembrar qual é a mesa de cada pedido, cara, eu realmente me envolvo com a situação. Como eles dão conta?
O Caue Fonseca, colega aqui da Zero, diz que o pessoal que prepara os lanches usa ponto eletrônico no ouvido. Já analisei com empenho aquelas orelhas e afirmo que é lenda. Mas nunca perguntei para eles qual é o segredo. Nunca perguntei como os garçons, sem anotar nada, lembram qual é o pedido de cada mesa. Talvez porque esse mistério, para mim, seja um dos maiores atrativos da Lancheria do Parque. Só não supera o prensado de salame no pão cervejinha com queijo duplo sem ovo.