Fundado e administrado por um imigrante português desde novembro de 1974, o tradicional Restaurante Pampulhão, no bairro Santana, retirou-se à francesa do cenário gastronômico de Porto Alegre. Depois de meses em agonia, o proprietário encerrou as atividades e colocou o ponto da Rua Jerônimo de Ornelas à venda.
— Tinha uma clientela boa, mas hoje está brabo. Com essa tal de pandemia... Me arrependo de não ter fechado oito meses atrás. Aí não teria tido prejuízo — lamenta Fernando Marques Pinheiro, 71 anos.
A pandemia foi o golpe de misericórdia para o empresário, que já observava o movimento minguar nos últimos anos. Sem ânimo nem jeito para aderir aos aplicativos de telentrega, resolveu colocar em prática os planos de aposentadoria, encerrando uma trajetória de quase cinco décadas no mesmo ponto.
Afixados na grade verde em frente ao número 417, dois anúncios competem com a fachada discreta, camuflada por duas árvores na calçada. Ambos trazem uma mensagem curta e direta: “VENDE” diz a faixa da imobiliária. “VENDO” diz a outra, acompanhada de um número de celular.
Quem tomou a frente das negociações foi o filho Fernando Marques Pinheiro Filho, 32 anos. Diz que também está aberto a alugar o espaço e não descarta abrir um bar no local, onde trabalhou dos 13 aos 30 anos.
— Ainda não tem definido sobre a venda. Não é um imóvel barato, então talvez valha a pena alugar — pondera Fernando Filho.
Mais novo de três irmãos que empreenderam na capital gaúcha, o pai foi o último a deixar a cidade de Aveiro, em Portugal, onde nasceu, rumo ao Brasil. Seguiu o rumo dos mais velhos depois de concluir o serviço militar, na década de 1970.
Na época em que abriu o negócio na Jerônimo de Ornelas, os parentes já comandavam dois restaurantes: o Pampulhinha, ainda em atividade, e o Pampulha. Embora os estabelecimentos não tenham ligação entre si, considerou apropriado aderir à variante superlativa.
Apesar do nome, o Pampulhão sempre manteve um ar discreto. Localizado em meio a prédios residenciais, é separado da rua por uma grade. O interior é minimalista, com jeitão de churrascaria. As mesas em madeira escura levam toalhas brancas, e quase não há objetos de decoração. Na parte externa, os clientes eram acomodados em mesas e cadeiras de plástico.
Especializado em peixes e frutos do mar, com alguns pratos de inspiração portuguesa, o local viveu seu auge nas décadas de 1980 e 1990. Nessa época, tornaram-se figuras carimbadas na casa nomes como os ex-governadores Olívio Dutra, Yeda Crusius, Tarso Genro e José Ivo Sartori, além da ex-presidente Dilma Rousseff. Dirigentes de futebol como Fábio Koff e Fernando Carvalho também bateram ponto na casa.
Mas os principais fregueses eram anônimos. Dois times de futebol de várzea, Chaco e Bageense, fizeram do local seu quartel-general. Os grupos frequentavam o restaurante aos finais de semana, e não raro faziam o português virar a madrugada para garantir a saideira.
Dois nomes já falecidos eram tão cativos que ganharam um apelido: “mesa”. José Fernando Fagundes, o “Jacaré”, e Carlos Martins Carneiro, o “Carneirão” — pai do músico Carlinhos Carneiro — tinham conta em um caderninho e comemoraram mais que todos quando o bar ganhou um prêmio tradicional de uma cervejaria, e foram convidados para participar do evento com chope liberado.
A boa relação com parte dos fregueses era motivo de comemoração. A cada final de ano, um encontro na véspera de Natal reunia a família e os mais chegados em torno de um prato de arroz com bacalhau. O evento tradicional foi, inclusive, o momento escolhido por Fernando Filho para retornar de surpresa depois de uma temporada em Portugal. Não imaginava que chegaria para encerrar outro ciclo, mais doloroso.
— É triste. Eu já sabia que ele (o pai) queria se aposentar, mas quando falou que não tinha mais condição… Perdi o irmão mais velho — conta.