O único problema do Bambu's era quando os skinheads apareciam. Aqueles imbecis não gostavam da gente – não gostavam de ninguém, eu acho, só de quem fosse branco, hétero e olhe lá. Na verdade, gostavam era de briga. E os que apanhavam mais eram os punks. Nós, os mods, de calça justa e gravata fininha, com a franja sempre roçando a sobrancelha, só queríamos beber e falar de The Who. Nem sabíamos por que nos odiavam.
Mas era melhor assim – só o que faltava, ser amigo de neonazista. Eles chegavam pela meia-noite e ficavam observando, na esquina da Independência com a Barros Cassal, a multidão que transbordava até o outro lado da avenida. Procuravam alguém para espancar. Era fácil reconhecer os skinheads: coturno, calça tipo militar, músculos à mostra e, claro, a cabeça oca sempre raspada.
Quando apareciam, era hora de tomar cerveja lá dentro – o Sid e a Ana, donos do bar, jamais permitiriam uma briga dentro do Bambu's. E a gente não era burro: só o Jackie Chan ganhava uma luta usando gravata, portanto não seríamos nós que teríamos chance.
Era início dos anos 2000, eu estava na faculdade, e assim era minha vida noturna em Porto Alegre. Muito parecida com a de outros tantos jovens que ouviam rock'n'roll e, no fim de semana, encontravam naquela esquina tudo de que precisavam: amigos, cerveja barata e o autêntico espírito underground.
Sem dinheiro para outra coisa, muitos passavam a madrugada ali mesmo, ao relento, tomando cerveja em copo plástico. Outros caminhavam uma quadra para ver, no Garagem Hermética, um show da Pata de Elefante ou dos Planondas. As melhores noites eram as que tinham Fun House: a Fun House era uma festa doida no casarão ao lado do Garagem, onde morava o baterista da Cachorro Grande. E, mais adiante, ainda havia o Beco e o Cabaret.
Tudo isso no entorno do Bambu's – que encerrou as atividades no fim de semana, vítima da pandemia. O Bambu's foi o epicentro da cultura alternativa, da cena roqueira, do circuito underground da Capital. Ele representou, para a minha geração (hoje com idade entre 35 e 45), o que o Bar João representou para a anterior. Aliás, foi justamente quando o João fechou, que a turba boêmia subiu da Osvaldo para a Independência.
E, naquele boteco de banheiro sujo, não foram só bandas de rock que ganharam forma: alguns dos mais consagrados escritores, atores e cineastas gaúchos da atualidade vieram do Bambu's. Estavam lá, no meio dos punks, dos mods, dos indies, dos hippies e dos skinheads. Aliás, todas essas tribos sumiram. Não sinto saudade só da última.