Por Mauro Henrique Renner, Procurador de Justiça e Mestre em Direito
O Tribunal do Júri de Porto Alegre foi palco de mais um julgamento histórico, na semana passada, considerando os motivos que levaram os autores à prática do crime contra a vida, a intolerância e a discriminação racial.
Exatamente isso, na terra farroupilha, mais dois integrantes de um grupo de skinheads, de ideologia neonazista foram condenados a 14 anos de prisão, por terem efetuado diversos golpes de faca e desferidos violentos socos e pontapés contra jovens, pelo simples fato de estarem usando quipás (pequeno chapéu em forma de circunferência, usado pelos judeus) em via pública.
De forma exemplar, o Tribunal do Júri cumpriu com suas funções ao reconhecer a responsabilidade desses agentes, como já havia feito em relação a outros três comparsas que atuaram em conjunto na prática de um crime de ódio.
Esse registro é importante porque serve não apenas para enaltecer a importância da instituição do Tribunal do Júri, como também para lembrar que o vírus da intolerância pode estar incubado em qualquer parte – no atentado às Torres Gêmeas nos EUA; no terrorista que se imolou em Madrid; na torcida racista em estádios de futebol; na apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias promovidas por Siegfried Ellwanger aqui no Sul; na profanação de 90 túmulos no cemitério de Quatzenheim, na França; no recente massacre efetuado nas mesquitas de Christchurch, na Nova Zelândia.
Esses exemplos revelam traços de um complexo de problemas de raízes multifacetadas que assolam o mundo e servem para refletirmos acerca de nossos preconceitos e atitudes quando confrontados com a diversidade, seja racial, sexual, religiosa e acrescento, ainda, a política.
Da intolerância para o ódio, e para o conflito, há uma fronteira que se atravessa numa vertigem de irracionalidade, cujos sintomas, às vezes, começa pela relutância em dividir um banco de praça, um lugar no ônibus ou no elevador.
Em pleno século XXI, ainda nos defrontamos com pessoas que têm dificuldade de partilhar seu "território" e que não toleram, em geral, a diferença, o estranho, o outro. Estudiosos apontam que, por difícil que seja reconhecer, "os bárbaros somos nós", intolerantes com as indiferenças que nos cercam, vistas como ameaças a perturbar a convivência.
Elie Wiesel, filósofo romeno, Prêmio Nobel da Paz (1986) descreve a intolerância como a ausência de linguagem, a qual tem origem na sensação de ameaça que o outro passa a representar para si. Nesse cenário, a violência é considerada como a linguagem daquele que não se exprime mais pela palavra, tornando-se a linguagem da intolerância motivadora do sentimento de ódio.
Inconcebível que o homem do século da cibernética, da velocidade da informação, deixe de reconhecer a liberdade de cada ser e se transforme num malfeitor para com seu próprio irmão. Pelo visto, a caminhada para que tenhamos uma sociedade mais inclusiva, respeitadora dos direitos humanos e das diferenças, é longa, no entanto, necessária para descobrir o que significa viver numa "sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos" como consta no preâmbulo de nossa Constituição Federal.