Esse é o obituário de um boteco pé-sujo da Avenida Independência que serviu de incubadora do rock gaúcho. Ele se chamava Bambu’s Bar e Restaurante e fechou as portas no final de semana. O valor do aluguel, as reclamações dos vizinhos e a pandemia de coronavírus motivaram o dono, Sidnei Fiori, 63 anos. Mas os famigerados tempos áureos já haviam passado também.
Ali pelos anos 2000, o Bambu's era o bar de bandas como Cachorro Grande, Cartolas, Identidade, Space Rave, Stratopumas, Pata de Elefante. O bar tinha letras de música rabiscadas a lápis nas mesas e cartazes de shows de rock nas paredes do WC. Antes das redes sociais, dava para saber no banheiro do Bambu’s quem ia tocar, quando e onde.
— Quem não tinha cartaz, escrevia à mão na parede mesmo — acrescenta Beto Bruno.
O vocalista da Cachorro Grande conta que os músicos chegavam com violões e CD’s debaixo do braço, e desconfia que rock não era exatamente a grande paixão do dono:
— O Sid tinha que aguentar.
É que não foi um negócio pensado para sediar uma cena rock. Criado em 1976 pelo pai de Sidnei, o Bambu’s era um desses botecos com balcão de vidro revelando caixas de chiclete, banquetas marrons giratórias e geladeira de marca de cerveja. Mas deu a coincidência de ficar a poucos metros da casa de shows Garagem Hermética, um reduto do underground em Porto Alegre.
Os guris da Cachorro Grande ainda moravam e ensaiavam em um estúdio ali do lado, chamado Funhouse. O aquece e o pós-festa dos eventos que a banda fazia para conseguir pagar o aluguel ocorriam no Bambu’s, e também a cerveja era obtida por intermédio de Sidnei.
— Praticamente morávamos no Bambu’s, era a continuação da nossa casa — conta Beto Bruno.
Algumas das primeiras músicas da Cachorro Grande surgiram ali: escreviam as letras tomando Antártica no bar e iam ensaiar na Funhouse. Também gravaram o segundo clipe da banda no Bambu’s, Debaixo do Meu Chapéu. Sidnei faz uma pontinha: logo no começo do vídeo, corre atrás de Beto Bruno:
— E aí, meu?! Quem é que vai pagar essa conta?
Carlinhos Carneiro, da Bidê ou Balde, também abriu conta no Bambu’s. Frequentou até nos últimos anos.
— Vi eles adaptando o bar para diversos públicos, cada vez mais diversos. Primeiro era muito da galera rock, dos mods, visual inglesinho. Daí vão chegando punks, vão chegando gente de tudo o quanto é lado.
A aglomeração era tanta na frente do bar que quase fechava a Independência. Levada por músicos locais, muitos nomes de outros Estados também pediram a saideira ali, como os paulistas do Lava, Biônica e Rock Rocket. O bar também já recebeu artistas, escritores, gente do cinema.
Carlinhos relata que, na última década, o bar voltou a ter boa movimentação. Tenta explicar a pluralidade e a efervescência citando um cineasta e animador porto-alegrense:
— Sempre tinha um Otto Guerra sentado numa mesa.
Proprietários do Bambu’s, Sidnei e a esposa, Ana, ainda não sabem quais serão seus próximos passos. Dizem que "não têm de onde tirar dinheiro agora".
Sidnei relata que a repercussão entre os clientes tem sido grande. Teve gente que quis fazer vaquinha para reerguer o bar, mas já era tarde demais. Diz que já tiraram quase todo o mobiliário e pensam até em se mudar para o Interior.
Carlinhos Carneiro lamentou muito a notícia do fechamento. Considerava o Bambu’s uma das mais importantes “igrejas da boemia” da Capital.
— Porto Alegre precisa ter espaços livres, que deem espaço para a loucurada. Porque onde existe a loucurada, existe a efervescência cultural. Na noite, na boemia, artistas diferentes trocam ideias e, nesse encontro, se estabelece o terreno dos próximos passos da cultura.
Quando retorna de São Paulo, onde mora, a Porto Alegre, Beto Bruno já não sabe mais onde "encontrar a nata da música e trocar figurinhas de lançamento”.
— Vai ser difícil uma próxima geração ter algo parecido com o que nós tivemos no Bambu’s.