Para o meu gosto, faltou amargo na receita do novo filme baseado no clássico da literatura infantil A Fantástica Fábrica de Chocolate (1964), que estreia nesta quinta-feira (7) nos cinemas. Estrelado por Timothée Chalamet, Wonka (2023) é o que Hollywood chama de prequel, um neologismo surgido de sequel (sequência). Em vez de dar continuidade à história original, vai-se na direção oposta, mostrando fatos antecedentes, o passado de um personagem, a origem de uma franquia.
O longa-metragem dirigido por Paul King, cineasta de As Aventuras de Paddington (2014) e Paddington (2017), imagina a juventude de Willy Wonka. Em uma época que parece ser a da primeira metade do século 20, ele desembarca em uma cidade carregando na mala o sonho de abrir a melhor loja de chocolates do mundo. No primeiro de muitos números musicais, Chalamet canta e dança como se estivesse em um filme dentro do filme, mas como um policial alerta, apontando para placa afixada em uma parede, sonhar acordado é passível de multa nessa metrópole com ares de Londres.
Aliás, o elenco reúne craques ingleses: Olivia Colman, ganhadora do Oscar de melhor atriz por A Favorita (2018) e concorrente por Meu Pai (2020, como coadjuvante) e A Filha Perdida (2021); Sally Hawkins, que disputou a estatueta dourada de atriz por A Forma da Água (2017) e a de coadjuvante por Blue Jasmine (2013); Jim Carter, quatro vezes indicado ao Emmy pelo seriado Downton Abbey (2010-2015), Rowan Atkinson, o eterno Mr. Bean; e Hugh Grant, o galã de algumas das melhores comédias românticas dos últimos 30 anos.
Aos 63 anos, Grant surge totalmente despido de seu charme, mas não de sua comicidade ácida. Em um trabalho que mistura maquiagem (a pele pintada de laranja, a peruca verde) e computação gráfica (para torná-lo minúsculo), o ator interpreta um Oompa Loompa, as criaturas mágicas que auxiliam Willy Wonka na história criada por Roald Dahl (1916-1990). Ele disse que odiou atuar sob a técnica da captura de movimentos, com aparatos acoplados a seu corpo — "Era como uma coroa de espinhos". Mas deu resultado, a julgar pelas sucessivas gargalhadas na sessão de imprensa.
Diferenças entre os três filmes sobre Willy Wonka
O livro de Dahl, escritor galês levado às telas também em títulos como Matilda (1996), O Fantástico Sr. Raposo (2009) e Convenção das Bruxas (2020), já havia sido adaptado duas vezes. O primeiro A Fantástica Fábrica de Chocolate (1971), dirigido por Mel Stuart e com Gene Wilder no papel do recluso e excêntrico empresário Willy Wonka, marcou gerações com sua mescla de fantasia colorida e fábula sinistra — as crianças (e, por extensão, suas famílias) eram assustadoramente punidas por causa de falhas de caráter como a soberba, a gula, a mesquinhez, o consumismo e a falta de solidariedade.
Lançada em 2005, a segunda versão trouxe a assinatura de um mestre do conto de fadas gótico e dos protagonistas socialmente desajustados: Tim Burton. O cineasta de Edward Mãos de Tesoura (1990) e Ed Wood (1994) atualizou a figura de Wonka, tornando o tipo encarnado por Johnny Depp um parente próximo do cantor Michael Jackson (1958-2009), que também era célebre por suas esquisitices — ambos são adultos que não cresceram e tiveram a infância roubada por um pai despótico.
Wonka toma distância desses filmes e do próprio Dahl. Se a editora britânica que publica os livros do autor decidiu remover trechos que hoje podem ser considerados ofensivos, o roteiro assinado por Paul King e Simon Farnaby adocica demais a trama. O sabor mais acentuado é o alto astral, mesmo que aqui e ali pintem notas de amargor. Na pele de um dos novos queridinhos de Hollywood, Willy Wonka exala otimismo e até ingenuidade — difícil imaginar como o personagem vivido por Chalamet evoluiria para o cinismo egocêntrico de Wilder ou para a bizarrice misantropa de Depp. É menos um filme de origem do que um recomeço. Os vilões são perversos, mas comicamente perversos: a Dona Alva (Olivia Colman, se divertindo horrores), que administra a estalagem exploradora cujo slogan é "Venha para uma noite, fique para sempre!"; o corrupto e guloso chefe da Polícia (Keegan-Michael Key); e Slugworth (Paterson Joseph), fabricante rival que aparece nos dois longas anteriores e que aqui lidera um cartel de confeiteiros.
Slugworth quer impedir a ascensão de Wonka não apenas porque o talentoso jovem representa uma ameaça a seu monopólio, mas também porque o modo de produção dele vai contra seu ideário comercial. Um bom chocolate, discursa o vilão, deve ser simples, elegante e padronizado — industrial. Já o protagonista investe no invento, na magia, nas cores, nos sentimentos e até num multiculturalismo.
Dependendo de quanto você estiver melado pelo açúcar do filme, pode encarar esse conflito como uma doce subversão ou uma crua contradição. Por um lado, parece um manifesto de Paul King a favor do afeto e da imaginação e contra a automatização hollywoodiana. Por outro, Wonka nada mais é do que um típico produto dessa indústria recicladora que vive apostando no que já deu certo, deixando ideias novas em segundo plano para desenvolver franquias, continuações, refilmagens, reboots e spin-offs. No caso das prequels, há um agravante: como já sabemos mais ou menos o destino dos personagens, sequer existe risco — o negócio é ser palatável.