O filme mais visto no Amazon Prime Video nos últimos dias foi sabotado pela própria plataforma de streaming. A sinopse de O Pacto (Guy Ritchie's The Covenant, 2023) passa do ponto necessário, diminuindo o impacto da trama ambientada durante a Guerra do Afeganistão (2001-2021) — deflagrada depois que os Estados Unidos invadiram o país asiático à procura do terrorista Osama bin Laden, líder dos atentados do 11 de Setembro — e permitindo antecipar passos.
Dito isso, pode ficar sossegado: aqui, não serão revelados todos os desdobramentos do 14º longa-metragem de Guy Ritchie, cineasta que, no início da carreira, chegou a ser chamado de "Tarantino britânico" por causa de títulos como Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (1998) e Snatch: Porcos e Diamantes (2000), nos quais combinava violência gráfica, personagens excêntricos e verborrágicos, maneirismos narrativos, senso de humor e uma trilha sonora bacana. Com o passar dos anos, Ritchie, hoje com 54 anos, acumulou na mesma medida fracassos de crítica — Destino Insólito (2002), Revólver (2002), Rei Arthur: A Lenda da Espada (2017) — e sucessos de público, como Aladdin (2019), que ultrapassou a marca de US$ 1 bilhão nas bilheterias, e as duas aventuras de Sherlock Holmes (2009 e 2011), que juntas faturaram US$ 1,06 bilhão.
O Pacto só foi lançado nos cinemas em pouquíssimos países, o que ajuda a explicar a tímida arrecadação (US$ 21,4 milhões). Uma pena os espectadores brasileiros terem sido privados de assistir na tela grande, porque o filme está entre os melhores trabalhos do diretor, justamente por remar contra algumas das características associadas a ele.
O paradoxo é que o nome original, Guy Ritchie's The Covenant, sugere o contrário. E sim, O Pacto é mais um filme majoritariamente masculino, em uma história que enaltece virtudes como brio, honra a camaradagem e que está repleta de lutas corpo a corpo, tiroteios e explosões — aliás, faz jus à notória excelência do cineasta em orquestrar cenas de ação. Mas desta vez seus personagens não são gângsteres: ele se arrisca em um gênero que ainda era inédito na sua prolífica e variada trajetória, o dos filmes de guerra. E o típico tom cômico dá lugar à sobriedadade, a pirotecnia e a verborragia são trocadas pela contenção e pelo silêncio (ou algo próximo disso).
Na comparação com as obras anteriores, O Pacto é irmão de Infiltrado (2021), no qual, apesar de estar lidando com seus habituais ladrões e matadores, Ritchie abrira mão dos costumeiros deboche e algazarra. Seus parceiros de roteiro são os mesmos, Ivan Atkinson e Marn Davies, dupla com que vem trabalhando desde Magnatas do Crime (2019). O diretor de fotografia mudou — Alan Stewart saiu, entrou Ed Wild —, mas permanecem o editor James Herbert e o compositor Christopher Benstead, essenciais na construção da tensão e da gravidade. E se em Infiltrado o cineasta recorreu à clássica Folsom Prison Blues (1955), de Johnny Cash, para estabelecer o clima da trama, em O Pacto a função cabe a outra música icônica, A Horse with No Name (1971), do trio America.
É num cenário árido, como o deserto da canção, que se passa a maior parte do filme. A trama começa em março de 2018, quando o sargento John Kinley (Jake Gyllenhaal, em mais uma ótima atuação: sua intensidade é sempre contagiante) e sua unidade do exército estadunidense sofrem uma emboscada dos fundamentalistas do Talibã durante uma inspeção de rotina em veículos que trafegam nas cercanias da cidade afegã Lashkar Gah. A explosão de um caminhão-bomba mata o intérprete da turma.
Então, Kinley precisa recrutar um substituto para as missões em busca de armamentos e explosivos dos talibãs. O escolhido é Ahmed, encarnado por Dar Salim, ator nascido no Iraque e visto nas séries Game of Thrones (em seis episódios da primeira temporada), Borgen e Trapped, além dos filmes Caranguejo Negro (2022) e Um Marido Fiel (2022). A sintonia entre os dois não é imediata: Kinley acha Ahmed petulante ("Você quer me ensinar inglês?", reclama), o outro questiona ordens ("Meu trabalho não é traduzir, mas interpretar", retruca). Mas as circunstâncias vão unir esses dois homens nos desertos e vales do Afeganistão, como vai descobrir quem evitou ler a sinopse. Creio que a experiência do espectador será emocionalmente mais rica se ele embarcar em O Pacto na mesma situação dos personagens: sem saber muito bem para onde está indo.