No dia 23 de agosto, faz aniversário de 20 anos o filme mais triste que eu já vi: Para Sempre Lilya (Lilya 4-Ever, 2002), escrito e dirigido pelo sueco Lukas Moodysson. Infelizmente, é um entre muitos títulos do começo do século 21 condenados a um limbo digital — todos os meses, verifico se entrou no catálogo de alguma plataforma de streaming, mas nada. Ainda bem (?) que tenho o DVD lançado pela Califórnia Filmes (e encontrável nos sites de compras como Mercado Livre e Shopee).
Para Sempre Lilya foi gestado em uma época na qual a questão do imigrante — legalizado ou clandestino — na Europa pautava o cinema daquele continente. Filmes como A Cidade Está Tranquila (2000), do francês Robert Guédiguian, Coisas Belas e Sujas (2002), do inglês Stephen Frears, e Contra a Parede (2004), do turco radicado na Alemanha Fatih Akin, focavam o preconceito, a falta de perspectivas e os dilemas de identidade. O longa-metragem de Moodysson explora o tema sob uma ótica mais angustiante: a de uma pobre menina russa.
Hoje com 53 anos, Moodysson era um cineasta com tremendo cacife. Seu filme de estreia, Amigas de Colégio (1998), sobre duas adolescentes que se descobrem atraídas uma pela outra, fora aclamado por Ingmar Bergman — o gênio sueco o classificou como "a primeira obra-prima de um jovem mestre". Em Bem-vindos (2000), o diretor também recorreu a olhos infantis para retratar uma comunidade hippie dos anos 1970.
A figura do jovem vulnerável reaparece em Para Sempre Lilya (assim como reapareceria em Um Vazio em meu Coração, de 2004), mas aqui o diretor deixa de lado a ironia e a crença em uma visão de mundo humanista — o que ele nos oferece é sofrimento e aniquilação da esperança.
A personagem do título é interpretada pela russa Oksana Akinshina, novata talentosa — foi premiada no Festival de Gijón e concorreu ao prêmio da Academia Europeia — que depois apareceria em A Supremacia Bourne (2004) antes de voltar às produções de seu país. Lilya é uma guria de 16 anos, cheia de sonhos e vida a contrastar com o ambiente de edifícios fúnebres e bases de submarino desertas de uma cidade da Rússia.
Seu calvário começa quando a mãe, que vai embora para os EUA com o namorado, impede a filha de ir junto. Abandonada e sem dinheiro, a moça acaba expulsa de casa pela tia, traída pela melhor amiga e violentada por vizinhos. Só tem a companhia de um menino igualmente rejeitado, Volodya (Artyom Bogucharsky). Bonitinha, Lilya vai se prostituir em uma boate, onde conhece Andrei (Pavel Ponomaryov), rapaz no qual vê a salvação — mas em quem Volodya identifica traços de vilão. É a passagem para o segundo ato, ainda mais cruel.
Em entrevistas, Moodysson declarou que Para Sempre Lilya é um filme sobre redenção, algo evidenciado em cada cena por uma "sensibilidade cristã". De fato, da cidadezinha russa a Malmö, na Suécia, o cineasta inflige uma via-crúcis à protagonista. Em uma das sequências de maior impacto, ele nos obriga a assumir o ponto de vista da personagem durante a violência sexual: a câmera foca apenas o rosto e o torso dos homens, e o que se ouve são a respiração ofegante e os grunhidos deles — nenhum em volume alto o suficiente para tapar o silencioso desespero da pobre menina russa.
O caráter religioso é percebido também na devoção da personagem ao ícone de uma mulher angelical que leva pela mão um garotinho — alusão óbvia à própria relação de Lilya com Volodya. Mas o anjo enxergado pela menina (que não representa uma fuga do tom realista imposto por Moodysson) é menos um recurso capaz de livrá-la da situação aflitiva do que uma promessa de alívio — tanto para Lilya quanto para o espectador.