Mads Mikkelsen, ator dinamarquês que substituiu Johnny Depp como Grindelwald na franquia Animais Fantásticos (depois que o estadunidense foi convidado pela Warner a renunciar ao papel, devido às acusações de violência doméstica contra sua ex-esposa, a atriz e modelo Amber Heard), mexeu em um vespeiro. Em entrevista à revista GQ UK para promover o filme Os Segredos de Dumbledore, em cartaz a partir de quinta-feira (14) nos cinemas, o protagonista do oscarizado Druk: Mais uma Rodada criticou o famoso Método. Esse é o nome com o qual ficou conhecido em Hollywood a técnica de interpretação desenvolvida a partir dos ensinamentos de Constantin Stanislavski (1863-1938), Lee Strasberg (1901-1982) e Stella Adler (1901-1992). O que Mikkelsen detonou foi o processo de trabalho de alguns colegas de profissão que, durante uma produção, não abandonam o personagem nem nos intervalos de filmagem.
— It's bullshit (Isso é uma besteira) — disse o vencedor do prêmio de melhor ator no Festival de Cannes por A Caça (2012). — Você pode levar a preparação para um papel até um nível insano. E se o filme for uma porcaria, o que você vai ter alcançado? Eu devo ficar impressionado por você não ter saído do personagem? Você deveria ter abandonado a ideia desde o começo! Como você se prepara para interpretar um serial killer? Vai passar dois anos experimentando?
Mikkelsen também debochou de atores que tentam se adequar a personagens de outras eras e acabam caindo no anacronismo:
— Eu (o personagem) vou fumar um cigarro. Mas este é de 2020, não de 1870. Você consegue viver com essa diferença? A ideia toda é muito pretensiosa.
Embora o dinamarquês não tenha citado nomes na entrevista, foi impossível não associar seus comentários ao trabalho de Benedict Cumberbatch em Ataque dos Cães (2021). No filme ambientado em 1925, no Estado de Montana, nos EUA, o inglês encarna o rude caubói Phil Burbank. Conforme relevou em entrevistas, a ideia de adotar o Método partiu da diretora Jane Campion:
— Ela me apresentou à equipe de filmagem como Phil e disse: "Vocês conhecerão Benedict no final. Benedict é muito legal. Phil é Phil".
Cumberbatch permaneceu no personagem durante as 12 semanas de produção. Ficava distante do resto do elenco, chegou a matar o banho por seis dias seguidos e, em três ocasiões, passou mal por fumar cigarros sem filtro.
Há vários atores que fizeram carreira empregando, em maior ou menor grau, o Método. Podemos citar Marlon Brando, Dustin Hoffman, Robert De Niro, Daniel Day-Lewis, Hilary Swank, Christian Bale, Kate Winslet, Heath Ledger, Jared Leto... Alguns podem ter ido longe demais. Day-Lewis, por exemplo, foi morar em uma floresta durante um mês e só consumiu alimentos que ele poderia coletar ou caçar na natureza na época em que protagonizou O Último dos Moicanos (1992). Uma década depois, enquanto filmava o épico Gangues de Nova York (2002), chegou a contrair pneumonia porque seu personagem, Bill, o Açougueiro, não vestiria um casaco com isolamento térmico no século 19. O papel valeu uma indicação ao Oscar de melhor ator.
Ganhos e perdas de peso também são célebres. Robert De Niro engordou 30 quilos em quatro meses para interpretar a fase decadente do boxeador Jake LaMotta, protagonista de Touro Indomável (1980) — e acabou conquistando o Oscar. Na contramão, Christian Bale emagreceu 29 quilos em quatro meses, atingindo a marca de 54 quilos — distribuídos em 1m83cm de altura — para fazer O Operário (2004).
Na entrevista a GQ UK, Mikkelsen ressaltou que, apesar de não gostar do Método, respeita artistas que façam uso. A questão, para ele, é que o sucesso vem do talento, e não do Método.
O Hannibal Lecter da série Hannibal (2013-2015) também criticou o papel da imprensa, que, ao dar tanta atenção para o Método, acaba glamorizando esse tipo de processo:
— A mídia diz: "Ó, meu Deus, ele levou isso tão a sério, portanto deve ser fantástico; vamos dar-lhe um prêmio".
Fato é que todo bom ator estuda para o papel e, eventualmente, precisa encarnar o personagem mesmo longe do estúdio. Aconteceu com o próprio Mads Mikkelsen. Em Druk, ele interpreta um professor que, junto a outros três colegas, decide testar uma teoria formulada por um filósofo norueguês, Finn Skarderud: a de que o ser humano nasce com um déficit de álcool no organismo. Os quatro passam a beber logo no início do dia e vão aumentando o consumo, documentado em um diário que é reproduzido na tela. O naturalismo das atuações não se deve à embriaguez do elenco: sim, os atores tomaram porres, mas nos ensaios, que foram gravados para que depois, sóbrios, eles mimetizassem o jeito de falar e de caminhar, de se divertir e de se acabar.