Meu time já queimou o filme no Brasileirão. Acho que só um milagre salva o Grêmio do rebaixamento.
Então, é hora de a torcida tricolor buscar inspiração ou alento nas histórias de obstáculos superados, triunfos inesperados e viradas heroicas contadas no cinema ou em séries.
Um dos grandes clássicos do gênero voltou recentemente ao streaming, na plataforma Star+: Carruagens de Fogo (1981). Dirigido por Hugh Hudson, reconstitui a preparação de dois atletas do Reino Unido para a Olimpíada de 1924, em Paris: Eric Liddel (Ian Charleson) é um missionário escocês que corre por devoção a Deus, e Harold Abrahams (Ben Cross), filho de judeus, quer provar sua capacidade para a comunidade de Cambridge. Ganhou os Oscar de melhor filme, roteiro original, figurinos e trilha sonora — composta por Vangelis e imortalizada em inúmeras citações: virou um clichê dos momentos de superação e das cenas em câmera lenta.
Tão improvável quanto a recuperação do Grêmio — mas baseada em um episódio real — é a trama da comédia Jamaica Abaixo de Zero (1993), disponível no Disney+. Assinada por Jon Turteltaub, tem como protagonista o fictício velocista jamaicano Derice Bannock (interpretado por Leon Robinson). Depois de não conseguir a classificação para os Jogos de Seul, em 1988, ele decide tentar uma vaga olímpica de um jeito mais inusitado. Na companhia do treinador Irving Blitzer (vivido por John Candy), resolve formar a primeira equipe do caloroso país caribenho no bobsled, aquele trenó que desliza no gelo. A versão reggae de I Can See Clearly Now gravada por Jimmy Cliff tornou-se um tremendo sucesso radiofônico.
Desafio no Gelo (2004), de Gavin O'Connor, é outro filme ambientado nas Olimpíadas de Inverno — e que, coincidentemente, aborda a Guerra Fria. Baseado em fatos, se passa em 1980 e acompanha os desafios do novo treinador da seleção dos Estados Unidos de hóquei no gelo, Herb Brooks (vivido por Kurt Russell), que tem como missão derrotar a equipe soviética, até então considerada imbatível, nos Jogos de Lake Placid (EUA). O título está em cartaz no Disney+.
O ringue é um cenário por excelência para histórias de superação. Os títulos sobre boxe costumam focar em personagens que travam não apenas uma luta física (o que é suficiente para render cenas de ação cruas e realistas ou, pelo contrário, inventivas e até poéticas), mas também uma luta psicológica. É um duelo em que só pode haver um ganhador, mas que permite ao perdedor a segunda chance, tema mítico nos Estados Unidos, um país que nasceu de uma segunda chance — a dos pobres e degradados britânicos que partiram para a América no século 17. Os atores, por sua vez, têm a oportunidade de operar as transformações corporais que enchem os olhos da Academia — não apenas a de malhação, mas sobretudo a de Hollywood.
Como Rocky e Creed já são figurinhas carimbadas, que tal conhecer Jim Braddock? Trata-se de um personagem real, encarnado por Russell Crowe em A Luta pela Esperança (2005), filme de Ron Howard resgatado do limbo digital pelo Star+ e ambientado nos EUA da Grande Depressão, na década de 1930.
No futebol, uma inspiração evidente seria O Milagre de Berna (2003), de Sonke Wortmann, que recria a vitória da seleção alemã na Copa do Mundo de 1954, alcançada em uma virada contra a poderosa Hungria de Puskas. Mas esse filme não está disponível no streaming.
Então, a sugestão é assistir a duas séries. Em cartaz na Netflix, The English Game ficcionaliza bastante momentos históricos dos primórdios do futebol, mas seus seis episódios merecem ser vistos por contarem como um time de operários sem tempo para treinar enfrentou de igual para igual a equipe da elite.
Com duas temporadas de 12 episódios cada disponíveis na AppleTV+, Ted Lasso é uma comédia dramática que, de alguma forma, reflete a situação gremista ao longo de 2021.
Começa com a contratação do treinador errado — só que, no caso da série, foi de propósito: para se vingar do ex-marido que vivia traindo-a, a dona do fictício Richmond, Rebecca Welton (interpretada por Hannah Waddingham, ganhadora do Emmy de melhor atriz coadjuvante), resolve arruinar aquilo que ele mais ama, entregando o time da Premier League nas mãos de alguém que não entende nada de futebol. O negócio de Ted Lasso (Jason Sudeikis, Emmy de melhor ator cômico) é o futebol americano, aquele disputado com bola oval e capacetes. Não é spoiler dizer que o clube vai enfrentar o fantasma do rebaixamento. E a esta altura do campeonato também não é mais segredo que o protagonista, com sua inteligência emocional, nos ensina que, mais importante do que vencer, é desenvolver pessoas, nos lembra do que realmente importa na vida e nos contagia com seu otimismo.
Falando nisso, a última dica é A Vida de Brian (1979), comédia do grupo inglês Monty Python que pode ser vista na Netflix. Não tem nada a ver com esporte — é uma sátira bíblica sobre um pobre coitado judeu (papel de Graham Chapman) que nasceu no mesmo dia e hora de Jesus, une-se a um grupo de rebeldes para derrubar o Império Romano e acaba confundido com o salvador. O filme entra nesta lista por causa de uma canção que se tornou clássica ao ser entoada por personagens crucificados: Always Look On the Bright Side of Life (sempre olhe para o lado bom da vida). É hora de nós, gremistas, começarmos a fazer o mesmo.