Se 20 indicações ao Emmy — incluindo melhor série de comédia, ator (Jason Sudeikis) e seis concorrentes nas categorias de coadjuvante — ainda não foram suficientes, vou listar mais alguns motivos pelos quais você deveria dar uma chance a Ted Lasso. Os 10 episódios da primeira temporada, com meia hora cada, estão disponíveis na plataforma de streaming Apple TV+, e uma segunda leva entra em cartaz no dia 23 de julho.
A desconfiança não é estranha a Ted Lasso, a série, e Ted Lasso, o personagem. É que a primeira nasceu de uma forma heterodoxa: foi baseada nos comerciais de TV feitos pelo canal estadunidense NBC Sports, oito anos atrás, para promover a cobertura da Premier League, o Campeonato Inglês de futebol. Seu astro era Jason Sudeikis, egresso do icônico programa de humor Saturday Night Live, onde bateu ponto de 2005 a 2013 (depois, fez cerca de 10 aparições, imitando artistas como Kanye West e Whoopi Goldberg e políticos como Joe Biden e Mitt Romney). Ele encarnava um treinador caipira e bigodudo de futebol americano contratado para ser o técnico do Tottenham Hotspur — um dos seis clubes mais ricos no país europeu — e sofrer com as diferenças entre os dois esportes. Afinal, tem de, literalmente, trocar as mãos pelos pés.
Desenvolvida por Sudeikis, Bill Lawrence — o criador de Scrubs (2001-2010) e Cougar Town (2009-2015) —, Joe Kelly (da equipe de roteiristas do SNL e de How I Met Your Mother) e o ator Brendan Hunt, a série foi lançada em agosto de 2020. Em vez do Tottenham, Ted Lasso deixa o Estado do Kansas, onde conquistou um título de uma divisão universitária, para assumir o fictício Richmond. Trata-se de uma estratégia perversa da dona do clube, Rebecca Welton (interpretada por Hannah Waddington, a Sofia Marchetti de Sex Education e a Septã Unella de Game of Thrones). Para se vingar do ex-marido que vivia traindo-a, ela resolveu arruinar aquilo que ele mais ama, entregando o time nas mãos de alguém que não entende nada do futebol. Na companhia de seu auxiliar, o lacônico Beard (Brendan Hunt), Lasso, dado a trapalhadas físicas e verbais (incluindo alguns arroubos de franqueza), será alvo do descrédito e da zombaria pela imprensa, pela torcida e até pelos jogadores — sem falar de sabotagens cometidas pelos dirigentes. Enquanto, nos gramados, o fantasma do rebaixamento começa a aparecer, no vestiário o treinador tem que lidar com o conflito entre o craque ególatra Jamie Tartt (Phil Dunster) e o veterano carrancudo Roy Kent (Brett Goldstein).
Dito assim, pode parecer uma mera comédia esportiva com pendor para o besteirol. Mas a bola é quase um detalhe, embora ocorram treinos e jogos, e há muito mais camadas em Ted Lasso — tanto a série (que disputa duplamente o Emmy de melhor roteiro e tem três diretores indicados: Zach Braff, M.J. Delaney e Declan Lowney) quanto o personagem. Já no primeiro episódio, percebemos que o técnico é mais esperto do que parece — sua inocência proverbial rima com sua inteligência emocional, exemplo em tantos outros campos — e que há fissuras em seu aparentemente incorrigível otimismo. Cada capítulo é melhor do que o anterior. Não à toa, à medida que a temporada avançava, a apreciação da crítica estadunidense aumentava. Na Variety, Caroline Framke sintetizou bem ao publicar, depois de o oitavo episódio ir ao ar, em setembro de 2020, um texto com o título "Para sua reconsideração: Ted Lasso": "Contra todas as probabilidades, Ted Lasso cortou meu ceticismo até não sobrar nenhum — assim como o próprio personagem faz com todos os que encontra. (...) Em um momento em que quase tudo parece catastrófico, há algo inegavelmente gratificante por passar algum tempo com pessoas boas que estão apenas tentando ser o melhor que podem, dentro e fora do campo".
A generosidade é uma marca do personagem (que, por exemplo, todo dia leva biscoitos para a chefe) e da série — que dá espaço e tempo para o desenvolvimento dos coadjuvantes. Desde uma típica maria-chuteira que mostra não ser uma típica maria-chuteira até um funcionário inseguro e vítima de bullying que se torna uma das figuras mais importantes e respeitadas no clube. A recompensa veio nas indicações ao Emmy, a principal premiação da TV estadunidense, que, além de ratificar o talento nuançado de Sudeikis, 45 anos (ele já ganhou o Globo de Ouro, o troféu do Sindicato dos Atores dos EUA e o Critics Choice Awards), destacou seis nomes do elenco de Ted Lasso.
Concorrem ao troféu de atriz coadjuvante Hannah Waddingham e Juno Temple (a fada Fauna dos filmes da Malévola), que faz o papel de Keeley Jones, a namorada de Jamie Tartt. Entre os homens, são quatro na briga: Brendan Hunt, Brett Goldstein, Nick Mohammed, que interpreta Nate, o responsável pelos uniformes dos jogadores, e Jeremy Swift (o Spratt das temporadas 4 a 6 de Downton Abbey), na pele de Higgins, braço-direito, ou melhor, capacho de Rebecca na direção do Richmond. Vale destacar também o humor de Phil Dunster e a simpatia de Toheeb Jimoh, que vive o atleta nigeriano Sam Obisanya.
Tendo Ted Lasso sempre ao lado, objetiva ou metaforicamente falando, esses personagens vão enfrentar perrengues, amadurecer e nos divertir — não necessariamente nessa ordem. Aliás, apesar de nos fazer rir, Ted Lasso também pode nos flagrar soluçando de tanto chorar. Não exatamente por tristeza, ainda que haja momentos tristes, mas porque a série, como escreveu Ritter Fan no site Plano Crítico, é "uma fuga para um lugar gostoso, quentinho e lindo onde podemos esquecer por algumas horas nossos problemas diários e simplesmente ficar com um permanente sorriso no rosto".
Uma cena que talvez resuma a variação de sentimentos despertada por Ted Lasso é aquela em que jogadores, comissão técnica e dirigentes se reúnem para tentar acabar com uma maldição ligada ao estádio do Richmond. Depois de dizer que nada dura para sempre _ "Com exceção do charme e da sabedoria de Calvin & Haroldo" (quase morri com a citação da minha tira de quadrinhos favorita!) —, o treinador Lasso insta a turma a sacrificar um objeto pessoal. Uns vão nos comover pondo para queimar coisas como o cobertorzinho dado por um avô para encarar os primeiros anos no futebol infantil, ou a foto da seleção da Nigéria que teve uma campanha marcante na Copa do Mundo de 1994. Outros vão provocar gargalhadas: um jogador francês se desfaz de um punhado de areia colhido em St. Barts, a praia — ele explica, emocionado — onde transou pela primeira vez com uma supermodelo. Nate joga fora os óculos escuros que lhe renderam um elogio inesquecível:
— Uma garota disse que eu parecia o Clive Owen.