4x100: Correndo por um Sonho, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (24) — em Porto Alegre, entra em cartaz no Espaço Itaú e no Guion —, a um mês da Olimpíada de Tóquio, e traz no elenco Fernanda de Freitas e Thalita Carauta, é um filme raro em quatro níveis.
Trata-se de um filme sobre atletismo, esporte que, em frequência nas telas e em relevância artística, está muito abaixo do pódio ocupado por boxe, beisebol, futebol americano e mesmo o nosso futebol.
Trata-se de uma ficção sobre atletismo, esporte mais abordado em documentários e cinebiografias ou filmes baseados em casos reais. Na primeira leva, está, por exemplo, Gun Runners (2015), sobre dois ladrões de gado quenianos que entram em um programa de anistia com o objetivo de se tornarem maratonistas (modalidade na qual o país africano é uma potência mundial). Na segunda, temos o clássico Carruagens de Fogo (1981), que reconstitui a preparação de dois atletas do Reino Unido para a Olimpíada de 1924, em Paris: Eric Liddel é um missionário escocês que corre por devoção a Deus, e Harold Abrahams, filho de judeus, quer provar sua capacidade para a comunidade de Cambridge. Ganhou os Oscar de melhor filme, roteiro original, figurinos e trilha sonora — composta por Vangelis e imortalizada em inúmeras citações: virou um clichê dos momentos de superação e das cenas em câmera lenta. Há também o bem mais recente Raça (2016), que biografa Jesse Owens, o corredor negro que humilhou Adolf Hitler ao conquistar quatro medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936.
Trata-se de um filme brasileiro sobre esporte. Apesar de uma produção cada vez mais diversificada, ainda não temos uma tradição na área, em que pesem títulos como o anedótico Boleiros: Era uma Vez o Futebol (1998), Linha de Passe (2008), que tem um jogador da várzea como um dos principais personagens, Heleno (2011), sobre o trágico craque do Botafogo da década de 1940, Mais Forte que o Mundo (2016), sobre o lutador de MMA José Aldo, 10 Segundos para Vencer (2018), sobre o boxeador Éder Jofre, e a comédia futebolística Correndo Atrás (2018).
E trata-se de um filme de esporte protagonizado por mulheres. Como sugerido pelos títulos citados acima, elas raramente são retratadas — mas formam uma minoria barulhenta: o drama sobre boxe Menina de Ouro (2004) ganhou os Oscar de melhor filme, direção (Clint Eastwood, que depois faria um longa ambientado na Olimpíada de Atlanta), atriz (Hilary Swank) e ator coadjuvante (Morgan Freeman). Eu, Tonya (2017), sobre um escândalo da patinação, recebeu a estatueta de atriz coadjuvante (Allison Janney) e foi indicado nas categorias de melhor atriz (Margot Robbie) e edição. Lutando pela Família (2019), sobre uma jovem (Florence Pugh) que tenta virar lutadora profissional, é uma das 10 obras esportivas mais bem avaliadas pela crítica em um ranking montado pelo site Rotten Tomatoes.
4x100 não faz por merecer uma medalha. Faltou treino para desenvolver a boa ideia de partida, um argumento da atriz e produtora estreante Roberta Alonso trabalhado por uma equipe de seis roteiristas. Entre eles, está o diretor do filme, Tomas Portella, um dos realizadores da série Impuros (2018) e que, no cinema, vem se especializando em ser generalista: já assinou comédia romântica (Qualquer Gato Vira-Lata, de 2011, e Desculpe o Transtorno, de 2016), terror (Isolados, 2014) e policial (Operações Especiais, 2015). Em breve, vai lançar Aumenta que É Rock'n'Roll, sobre a história da rádio Fluminense FM e ambientado na década de 1980.
A trama começa na Olimpíada do Rio, em 2016. Estamos na final da corrida de revezamento 4x100 metros. Na hora de pegar o bastão passado por Adriana (papel de Thalita Carauta), Maria Lúcia (Fernanda de Freitas) comete um erro e põe a perder o sonho de uma medalha para o Brasil. Aqui, o filme foi profético: o Brasil venceu uma eliminatória disputada na Polônia em maio de 2021, mas foi desclassificado porque uma revisão em vídeo mostrou que a atleta Ana Carolina Azevedo pisou na linha ao agarrar o bastão.
Quatro anos depois, a Confederação Brasileira de Atletismo está montando um time para os Jogos de Tóquio. Aqui, o filme apresenta um erro involuntário. Em 4x100, que foi produzido entre 2017 e 2019, a competição ainda estava marcada para 2020, pois nem havia a perspectiva de uma pandemia. Maria Lúcia segue na equipe, enquanto Adriana virou lutadora de MMA. Aqui, o filme acerta ao criticar o culto à imagem. Interpretada por Fernanda de Freitas, atriz de novelas e seriados da Globo (Como uma Onda, Bang Bang, Pé na Jaca, Negócio da China, Tapas & Beijos, Mister Brau), a loira e bronzeada Maria Lúcia encarna um padrão de beleza e, portanto, manteve seu status de estrela nas pistas e na mídia. Vivida por Thalita Carauta, egressa de comédias e dramas televisivos (foi a Janete em Zorra Total, de 2009 a 2011, a Celma Azevedo de Chapa Quente, entre 2015 e 2016 e faz a Eliete Sabá de Segunda Chamada), Adriana é uma negra de pele clara e cabelos crespos que precisa, literalmente, sangrar para sobreviver.
O foco de 4x100 está no conflito entre as duas, o que acaba tirando espaço de outros dramas interessantes vividos pelas coadjuvantes, como a pressão que Jaciara (Cintia Rosa) sofre do marido para ter filhos — esporte de alto rendimento e maternidade são difíceis de conciliar. Augusto Madeira (o deputado Penha de O Mecanismo e o chefe dos anjos em Ninguém Tá Olhando) responde pelo alívio cômico, como o treinador Victor. O elenco se esforça, mas é prejudicado por um enredo muito previsível, uma direção nada ousada e um ritmo arrastado para um filme sobre velocistas. A propósito, as cenas de corrida não empolgam nem parecem autênticas — a impressão é de que as rivais das brasileiras desaceleram ou adotam uma marcha lenta. O uso de efeitos digitais para simular arquibancadas lotadas e vibrantes só piora a coisa.
Por falar em imagens, 4x100 talvez seja um recordista em exibição de marcas. São closes e mais closes em tênis. É como se o diretor tivesse gastado mais tempo pensando em como mostrar o exterior das personagens — os logotipos no uniforme — do que o seu interior (o desenvolvimento dramático).
Até se entende que, em um filme sobre atletismo, os fornecedores esportivos ganhem evidência. Mas o exagero também se estende aos demais patrocinadores, como um banco. Além de a câmera se demorar nas placas de publicidade nos estádios, há uma cena em uma lanchonete que, de tão desnecessária, chega a ser constrangedora. A sequência começa com Victor e seu assistente, Caio, conversando de frente para nós. Em um corte súbito, eles passam a ficar de costas para o público. O motivo logo se explica: é para que o cartão de crédito/débito com o qual Caio vai pagar a conta apareça bem centralizado na imagem e por um tempo suficiente para divulgar o nome do tal banco.