O tão discutido e compartilhado texto que Gregorio Duvivier dedicou, esta semana, às boas lembranças de seu casamento com a ex-mulher Clarice Falcão reforçou a campanha promocional de Desculpe o transtorno. Tenha sido a melancólica missiva um lance de marketing ou um sincero desabafo de quem ainda não superou o fim do relacionamento que embaralhava projetos profissionais, como o Porta do Fundos, ou ambas as alternativas, a comédia romântica em cartaz nos cinemas pode despertar nos fãs do casal que ficaram tocados pela coluna de Duvivier o efeito de uma esperada reconciliação.
Trata-se de um trabalho estruturado em família. Desculpe o transtorno foi filmado pouco antes da separação, em 2014. O roteiro é de Tatiana Maciel, irmã de Clarice, e Célio Porto, com redação de Adriana Falcão, mãe da atriz e da roteirista e colaboração do então casal. A direção é de Tomas Portella, cineasta que tem se exercitado em diferentes gêneros, da comédia Qualquer gato vira-lata ao suspense Isolados.
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A trama segue um modelo que o cinema americano com perfil mais independente tem apresentado sob a assinatura de nomes como Noah Baumbach, Spike Jonze e Judd Apatow, que iluminam, em filmes bons e outros menso inspirados, impasses afetivos e existenciais de jovens adultos emocionalmente imaturos que não desgarram da adolescência – e para os quais a vida só parece fazer sentido se cada pequeno movimento trouxer de arrasto uma problematização, uma epifania.
Duvivier vive um personagem com dupla personalidade. Quando está em São Paulo é Eduardo, rico executivo que trabalha na empresa do pai. É um tipo sorumbático, característica realçada quando está ao lado da noiva, a patricinha espalhafatosa Viviane (Dani Calabresa). Quando viaja ao Rio, Eduardo se transforma no despachado e fanfarrão Duca, que encontra na desencanada Bárbara (Clarice) sua verdadeira paixão.
Desculpe o transtorno busca sua graça na ponte aérea entre as cidades e na alternância dos humores entre Eduardo e Duca, o que exige de Duvivier demasiado empenho físico e torna sua performance um tanto irregular. Clarice se sai bem melhor na composição de sua personagem solar – Bárbara ganha a vida fazendo propaganda sob a fantasia de coelho de cor de rosa, representação icônica para um, digamos, "filme fofo".
Sob sua aparência de comédia romântica meio maluquinha, Desculpe o transtorno é, na verdade, um produto conservador, das piadas manjadas com os estereótipos de paulistas e cariocas à galeria de coadjuvantes que não avançam além das caricaturas - algumas intervenções com atores do Porta dos Fundos parecem repetir esquetes do grupo.
Esse é um gênero de cinema cujo melhor modelo, insuperável na construção de suas narrativas e personagens arquetípicos, não está no século 21, mas no começo do século 20, consagrado por diretores como Frank Capra, em Aconteceu naquela noite (1934), e Howard Hawks, em Levada da breca (1938). Filmes modernos e inteligentes ontem e hoje.