Desde 2002, o cinema produzido no Rio Grande do Sul tem um dia para chamar de seu.
Instituído por lei estadual, o Dia do Cinema Gaúcho faz referência ao 27 de março de 1909, quando foi realizada a primeira sessão pública de um filme de ficção no Estado: O Ranchinho do Sertão, de Eduardo Hirtz.
Para comemorar, fiz uma seleção com sete títulos, boa parte deles disponíveis em plataformas de streaming. Tem de tudo um pouco: comédia dramática, épico, animação, documentário... Não são filmes necessariamente gauchescos, mas, bah, deveriam nos encher de orgulho.
Aos Olhos de Ernesto
Vamos começar com um filme mais recente e bastante premiado, Aos Olhos de Ernesto, de Ana Luiza Azevedo, que venceu o prêmio da crítica na Mostra Internacional de São Paulo, foi eleito pelo público o melhor do Festival de Punta del Este e ganhou os troféus de filme, direção e roteiro no Inffinito Film Festival, um evento de cinema brasileiro realizado no Exterior. A diretora lança um olhar terno para a terceira idade e para a própria Porto Alegre. Vivido por Jorge Bolani (de Whisky), o Ernesto do título é um idoso uruguaio que mora sozinho na capital gaúcha e enfrenta uma crescente cegueira. A solidão do protagonista é quebrada quando surge a jovem Bia (Gabriela Poester), uma cuidadora de cães. Disponível no Now e no Vivo Play.
A Cidade dos Piratas
Outro título recente e premiado é o desenho animado A Cidade dos Piratas (2019), de Otto Guerra. Trata-se de um filme que mescla histórias em quadrinhos de Laerte, reflexões da cartunista paulista sobre sua transição de gênero e um momento, digamos, Otto e Meio (referência ao clássico Oito e Meio, de Fellini), em que o realizador vira personagem para retratar o drama de um câncer de cólon descoberto em 2013. Talvez não seja uma obra coesa, mas na sua anarquia há muito brilho. Recebeu o prêmio especial do júri no Festival de Havana, em Cuba, e o troféu de melhor longa ou média no Festival de Animação de Córdoba, na Argentina. Em cartaz nas plataformas Apple TV, Now, Google Play e YouTube.
Netto Perde sua Alma
Aqui, sim, está um filme sobre os campos de batalha da Revolução Farroupilha e também da Guerra do Paraguai. Dirigido por Tabajara Ruas e Beto Souza, a partir de um romance escrito por Tabajara, Netto Perde sua Alma (2001) tem como protagonista o general Netto, em premiada atuação de Werner Schünemann. Há duas linhas narrativas: uma intimista, no hospital argentino onde Netto convalesce e delira, e outra vibrante, voltada aos feitos militares do general. O filme recebeu troféus nos festivais de Gramado, Brasília e Recife e foi lançado em DVD.
O Homem que Copiava
Foi Fernando Meirelles, diretor de Cidade de Deus, quem disse na época da estreia de O Homem que Copiava (2003): era o melhor filme brasileiro dos últimos 20 anos. Realizado por Jorge Furtado, o filme conta a história de um jovem operador de xerox, vivido por Lázaro Ramos, de uma papelaria da zona norte de Porto Alegre, onde falsifica uma nota de R$ 50 para comprar um presente para a moça de quem gosta, personagem da Leandra Leal. Ele tem uma visão de mundo fragmentada, pois só consegue ler pedaços dos livros e trabalhos escolares dos quais faz cópias. A trama também tem um pouco de tudo: suspense, romance, drama e humor, cortesia de Pedro Cardoso e Luana Piovani. Em cartaz no Amazon Prime Video.
Deu pra Ti Anos 70
Não seja boco-moco e não dê uma de bolha. Se você quer saber como era ser jovem de classe média na Porto Alegre da década de 1970, assista a Deu Pra Ti Anos 70 (1981), de Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti.
Rodado em Super-8 e com músicas de Nei Lisboa e Augustinho Licks, o filme mostra os encontros e desencontros de um casal, Marcelo, que sonha em ser escritor, e Ceres, futura arquiteta. Os dois se cruzam em reuniões dançantes, saídas do cinema, bares e lanchonetes, acampamentos na praia e em discussões quase clandestinas sobre política estudantil — eram os anos do regime militar. Os coadjuvantes são joia. Tem, por exemplo, um colorado chato de galocha que azucrina um gremista quando o Inter ganha o Gauchão. Foi lançado em DVD (imagino que seja peça de colecionador, mas encontrei para venda em alguns sites).
O Cárcere e a Rua e O Caso do Homem Errado
Por fim, dou a dica de dois baita documentários sobre temas pesados. O Cárcere e a Rua (2005), de Liliana Sulzbach, foi realizado na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre, onde ela acompanha a vida de três presas. Daniela, 19 anos, havia recém ingressado no presídio — o documentário mostra seu choque. Cláudia estava para sair após cumprir 28 anos — Liliana retrata a tortuosa reintegração familiar. De Betânia, vê-se os últimos momentos na cadeia — ela passou do regime fechado para o semiaberto. Foi lançado em DVD.
O Caso do Homem Errado (2017), de Camila de Moraes, reconstitui a história do jovem operário negro Júlio César de Melo Pinto, que foi executado pela Brigada Militar, nos anos 1980, em Porto Alegre. O crime ganhou notoriedade após Zero Hora divulgar fotos de Júlio sendo colocado com vida na viatura e chegar, 37 minutos depois, morto a tiros no hospital. O documentário está disponível no Globoplay.