The Mandalorian é um seriado paradoxal. Cada episódio custa em torno de US$ 15 milhões (mais de 10 vezes o orçamento de Bacurau, por exemplo), mas a atração do Disney Plus aposta na simplicidade. E a, digamos, economia narrativa é um trunfo desse derivado (os chamados spinoffs) do universo Star Wars para cativar até quem não integra o gigantesco fã-clube da saga espacial criada por George Lucas em 1977.
Aproveitei as férias para maratonar as duas temporadas já lançadas, cada uma com oito capítulos (a segunda delas concorrerá no dia 28 de fevereiro ao Globo de Ouro de melhor série dramática). Depois de algum estranhamento provocado por nomes e termos como bezkar e Grande Purgo, The Mandalorian mostra-se extremamente acessível mesmo para neófitos ou desmemoriados.
Saber que a trama se passa entre dois filmes, os episódios VI e VII, O Retorno de Jedi (1983) e O Despertar da Força (2015), e que Boba Fett — mítico personagem surgido em O Império Contra-Ataca (1980) — era mandaloriano não faz diferença para o espectador desinteressado em caçar referências às outras produções de Star Wars, incluindo os desenhos animados e os especiais para TV. Na verdade, mais divertido é procurar as homenagens do criador da série, Jon Favreau, a obras que inspiraram George Lucas a desenvolver a trilogia inicial: o cinema de caubói e de samurai realizado por diretores como John Ford, Sergio Leone, Sam Peckinpah e Akira Kurosawa. Há uma coleção de citações: de Rastros de Ódio (1954) a Meu Ódio Será sua Herança (1969), de Os Sete Samurais (1954) a Yojimbo (1961).
Essencialmente, The Mandalorian é menos uma aventura de ficção científica do que um faroeste intergaláctico. Tudo remete aos westerns: a fotografia que realça a aridez amarelada dos planetas visitados, o ambiente de saloon de alguns cenários, o tema musical composto pelo sueco Ludwig Göransson (o mesmo de Tenet), que alude às trilhas do italiano Ennio Morricone e foi premiado com o Emmy, os tiroteios, as fugas e perseguições "a cavalo" e, claro, o protagonista, um caçador de recompensas, tipo clássico do Velho Oeste.
Solitário e silencioso como manda o figurino (aliás, até sua indumentária, por vezes, parece a dos antigos pistoleiros), o Mandaloriano do título é interpretado por Pedro Pascal com um estoicismo admirável e oposto ao flamejante personagem que deu fama ao ator chileno, o Oberyn Martel da série Game of Thrones. Trata-se de um Clint Eastwood espacial, mas em vez de ser um estranho sem nome, surge como um estranho sem rosto, já que seu rígido código de conduta o impede de tirar o capacete. Seu ganha-pão é cruzar fronteiras estelares atrás do que lhe foi encomendado, sejam bandidos perigosos ou criaturas raras.
É nessa categoria que se enquadra o pedido feito por um sujeito conhecido apenas como O Cliente (encarnado pelo cineasta alemão Werner Herzog). Caberá a Djin Djarin, o Mandaloriano, encontrar A Criança, como a série se refere ao popularíssimo Baby Yoda. A relação estabelecida entre os dois personagens faz lembrar a de Lobo Solitário (1970-1976), mangá com seis adaptações para o cinema em que um guerreiro japonês sem mestre, um ronin, vive peripécias tendo uma criança a tiracolo. Do mundo dos samurais, The Mandalorian também importou os temas da honra e do sacrifício, que coabitam as galáxias com a ganância e a traição características dos faroestes.
O Cliente, A Criança. Eis outra marca da austeridade empregada por Jon Favreau, autor do roteiro de 12 dos 16 episódios — cada um deles é batizado por um único substantivo: O Pecado, A Pistoleira, O Cerco, A Tragédia. Um dos nomes mais quentes de Hollywood nos últimos tempos - deu o pontapé inicial no universo cinematográfico Marvel com Homem de Ferro, em 2008, dirigiu para a Disney as refilmagens realistas das animações Mogli: O Menino Lobo, em 2016, e O Rei Leão, em 2019 —, Favreau fez de The Mandalorian um exemplo de superprodução concisa. A maioria dos capítulos tem duração inferior a 45 minutos, alguns nem chegando a 40 (os de Game of Thrones tinham, em média, 52), sem ultrapassar os 50 nos finais de temporada (em GoT, passavam de uma hora).
O seriado da franquia Star Wars também poupa nas palavras: as cenas de tiroteio, luta corporal, perseguição e fuga costumam abrir mão daqueles diálogos bobos e daquelas frases de efeito que nada acrescentam (quando não desviam a atenção). As tramas, por sua vez, são simples, bem concentradas na interação de Mando com um punhadinho de personagens, em um bom equilíbrio de drama, ação, tensão e humor. Um atrativo extra para quem tem certa preguiça de acompanhar séries é que, apesar de haver uma história maior sendo contada, apesar de eventos de um episódio geralmente repercutirem no seguinte, cada capítulo é quase autocontido: há um conflito e há uma solução.
Mas por trás dessa singeleza ocorre um trabalho complexo — não à toa, The Mandalorian ganhou seis prêmios técnicos no Emmy, incluindo direção de fotografia, design de produção, efeitos visuais e coordenação de dublês. Vale destacar os personagens que só existem graças a recursos de computação gráfica e/ou a próteses e maquiagem e que escondem um elenco de famosos. O diretor e ator Taika Waititi, o Hitler de seu Jojo Rabbit (2019), empresta sua voz para o androide assassino IG-11. Nick Nolte faz o alienígena Kuiil, da diminuta espécie Ugnaught. John Leguizamo está irreconhecível na pele do gângster Gor Koresh. E Rosario Dawson se transforma em Ahsoka Tano. Também merece reconhecimento a diversidade étnica em papéis importantes, representada pelos atores negros Carl Weathers (Greef Karga) e Giancarlo Esposito (o vilão Moff Gideon) e pela atriz Ming-Na Wen (a pistoleira Fennec Shand), de origem chinesa, além do iraniano Omid Abtahi (Dr. Pershing).
Enfim: mesmo que o final da segunda temporada tenha apelado emocionalmente aos fãs, conectando The Mandalorian aos primeiros filmes de Star Wars, ainda é um seriado convidativo até para quem acha que a célebre saudação da saga é "Vida longa e próspera".