Se você conversar com os 1.332.845 habitantes da capital gaúcha, ouvirá diferentes versões sobre qual seu lugar especial nela. Na impossibilidade de consultar a todos, pedi a quatro apaixonados por Porto Alegre um depoimento a respeito do local onde seu coração bate mais forte.
São pessoas sempre ocupadas em retratá-la — na literatura, na fotografia, nas artes visuais, na arte de percorrer suas ruas. Por acaso, e sem repetir-se, escolheram quatro pontos icônicos do Centro Histórico.
É minha homenagem (e principalmente deles!) para a cidade que completa hoje 252 anos.
A praça da Lucia
Maria Lúcia Badejo, 58 anos, natural de Rio Grande, mora em Porto Alegre há 41 anos. É autora de Pelas Ruas de Porto Alegre: Um Guia para Conhecer o Centro Histórico Caminhando. Jornalista e guia de turismo, ela promove amanhã (27) o walking tour noturno Memórias da Praça da Alfândega (badejo.com.br):
"Para mim, a Praça da Alfândega é uma síntese das várias épocas e culturas de Porto Alegre. Esse lugar já era habitado por indígenas quando os europeus chegaram. No final do século 19, passou a ser conhecido como Largo da Quitanda, nosso primeiro centro comercial, onde mulheres e homens negros vendiam doces, verduras, tecidos, pinhão. Se eu pudesse voltar no tempo, adoraria conhecer a praça no início do século 20, quando a alfândega que lhe deu nome ainda existia e ela era rodeada de hotéis, cafés, cinemas e livrarias. Nessa época, a Praça da Alfândega era a maior rede social da cidade! Nada mais justo do que ser um sítio histórico tombado nacionalmente, cercada de prédios históricos, centros culturais e monumentos, e acolhendo a Feira do Livro todos os anos. É um lugar obrigatório para entender a alma de Porto Alegre".
O mercado do Rafael
Rafael Guimaraens, 67 anos, nasceu em Porto Alegre e mora no Menino Deus. Jornalista e escritor, é autor de 20 livros de ficção e não-ficção, em geral relacionados à construção da memória e ambientados em Porto Alegre:
"Por todas as razões da alma e do coração, o Mercado Público é o lugar preferido de Porto Alegre, não apenas meu, mas da maioria da população conforme enquetes realizadas de tempos em tempos. 'Um templo de convívio, boemia e tradição, abençoado por todas as divindades, na inesgotável comunhão de aromas e sabores, crenças e cores. Um palácio democrático, que suporta tempestades, incêndios e conspirações, pois nele habita a alma do povo', escrevi na apresentação do livro Mercado Público: Palácio do Povo. Desenhado por um arquiteto alemão e construído pela força de trabalho de imigrantes europeus e negros escravizados, foi mantido de pé como espaço ecumênico de tradição e respeito à diversidade graças à perseverança de gerações de comerciantes e frequentadores que a tudo resistiram, inspirados pelo misterioso assentamento do Bará, o orixá que abre caminhos e protege os espaços. Ali está contida boa parte da história da cidade e do espírito de seus habitantes".
A casa da Liane
A fotógrafa Liane Neves, 65 anos, se considera "nascida e criada" no Moinhos de Vento. É autora de A Porto Alegre de Mario Quintana, Porto Alegre, Brasil (com Leonid Streliaev e Adriana Franciosi) e o Guia da Lica: Porto Alegre. Lançou na semana passada Olhares Cruzados, com fotos dela sobre a canadense Edmonton e da canadense Shawna Lemay sobre Porto Alegre:
"Gosto muito das lembranças e da energia que a Casa de Cultura Mario Quintana me traz. Por muitos anos lá funcionou o Hotel Majestic, que teve seu auge entre 1930 e 1950. Depois, serviu de lar para Mario Quintana, de 1968 até 1980, quando o hotel fechou. Foi o lugar onde o poeta morou por mais tempo e, mesmo que ele dissesse 'eu moro em mim mesmo', o local tem sua alma. Gosto da arquitetura, que se mantém inovadora, um prédio imponente e contemporâneo. Acho um charme as passarelas que atravessam os dois prédios, os paralelepípedos originais da Rua dos Cataventos, a cúpula com a inscrição 'Hotel Majestic', onde funciona o ótimo Lola. É um grande centro cultural, que abriga a reprodução do quarto do poeta e uma sala com lindas fotos do Quintana — incluindo algumas feitas por mim! Resgatei esta preciosidade: o poeta em uma das sacadas, uma relíquia fotográfica!".
O viaduto do Leandro
O artista visual Leandro Selister, 59 anos, nasceu em Vacaria. Viveu em Pelotas dos dois aos 18 anos, quando mudou-se para Porto Alegre. Tem desenhos, fotografias e bordados representando a Capital:
"Meu lugar em Porto Alegre é o Viaduto da Borges, e essa ligação começou ainda quando me mudei para a Capital, há 41 anos. É um lugar que se mostra para quem quiser explorá-lo. Um lugar que se transforma a cada estação do ano e a cada hora do dia. Poesia em forma de arquitetura que me inspira, me emociona e me faz amar Porto Alegre. Um lugar de resistência e palco de momentos inesquecíveis da história. Fiz a foto que ilustra esta página em 2017, uma das mais lindas imagens que consegui (ela já foi premiada e perdi a conta do número de compartilhamentos nas redes sociais, inclusive de pessoas se dizendo autoras dela!)".