É provável que o primeiro livro de Mariana Bauermann ainda não existisse não fosse a pandemia. E talvez ficasse muito diferente caso o tipo de viagem desenhada pela psicóloga de 36 anos e seu esposo, o engenheiro mecânico André Pieres, 39, ganhasse outros contornos.
A viagem do qual fala Su Casa Mi Casa aconteceu entre dezembro de 2018 e março de 2019, um ano antes de o coronavírus se esparramar pelo mundo e de uma mudança na vida do casal, que sairia de Porto Alegre após a aventura para retornar à terra natal de Mariana, Tapera, no norte do Estado.
Na volta, restaram abundantes histórias do roteiro de três meses por 11 mil quilômetros de estradas no sul dos Estados Unidos. Na pandemia, sobrou tempo para contá-las e surgiu um fio condutor: a experiência de hospedar-se em casas compartilhadas com os donos ou com outros hóspedes.
A Mariana, que diz não ser aventureira nem adepta de aluguéis de temporada ou de guest houses, interessava conhecer os hábitos cotidianos e a interação com os habitantes de cada moradia. Por isso, o foco do livro (o título inverte a conhecida expressão "mi casa, su casa") não são os trajetos, embora interessantíssimos, mas o modo de vida e as experiências. Os 11 capítulos (sem contar a largada em Porto Alegre e o retorno a Tapera) retratam cada uma das 11 cidades e 11 casas por onde passaram. Desde o ponto de partida da viagem pelos EUA, em Los Angeles, na Califórnia, ela deu-se conta de que o traçado escolhido renderia outras percepções a partir do olhar dos anfitriões, nem sempre positivas:
— Nos perguntavam o que iríamos fazer no Texas, por exemplo. Um país tão grande carrega também preconceito de um Estado para o outro, com muitas particularidades — observa.
Com cerca de 20 países carimbados no passaporte, a psicóloga graduada pela Universidade de Passo Fundo (UPF), com mestrado na UFRGS, ressalta ainda os estereótipos dos estrangeiros em relação aos americanos, muitas vezes colocados "numa caixinha":
— Acho que no livro consegui trazer um pouco mais da subjetividade dessas pessoas. Elas estão inseridas naquele contexto, mas, como seres humanos, são gente como a gente.
Porém, como diz a própria Mariana, buscando as intersecções entre a psicologia e as viagens, "viajar amplia a percepção de mundo, possibilita interação com pessoas com histórias diferentes das suas":
— Não se trata só da diversidade de paisagens, mas de pessoas e de aspectos culturais. Viajar cria empatia, se percebe como as coisas são complexas e você se coloca no lugar do outro.
O importante, na avaliação da autora, é estar aberto às pessoas, para aproveitar e curtir. Hóspede e anfitrião precisam ter desprendimento para compartilhar e entender opiniões e estilos de vida diversos. O confronto, às vezes, não se dá só no jeito do outro pensar, mas em coisas tão práticas e banais quanto a bagagem:
— Viajamos sempre de carro, e embora não carregássemos muita coisa no início, foi se avolumando. Muitas vezes riam de nós quando chegávamos a uma casa com aquela tralha toda.
É que a tralha também incluiu, lá pelas tantas, duas bicicletas dobráveis, com as quais Mariana e André passaram a desbravar as cidades e os destinos próximos. Por isso a carga cresceu. Nada que se compare às histórias que trouxeram de volta na bagagem.
Ganhos & perdas
Mariana elenca vantagens e desvantagens do tipo de hospedagem escolhida:
- A possibilidade de conhecer diferentes realidades e formas de viver: saber o que as pessoas comem em casa, o que fazem no final de semana, o que usam de objetos e utensílios. Poder conversar com calma sobre questões como cultura, ensino, música. Há uma interação maior e mais troca cultural.
- Praticidade e facilidade de não ter de fazer check-in e check-out, o que fica cansativo numa viagem longa, e economia nos custos em geral.
- Não precisar comer em restaurantes todos os dias, por vontade, pela preocupação por alimentar-se melhor e por redução de custos.
- Quando não se está muito aberto (tanto anfitrião quanto hóspede), podem ocorrer surpresas não muito boas. Com pessoas não muito receptivas, pode-se não ficar à vontade.
- Não ter o quarto limpo todos os dias e nem encontrar o café da manhã pronto.
O livro
De Mariana Bauermann. Editora BesouroBox, 216 páginas, R$ 59,90. À venda em livrarias e nos sites besourobox.com.br e amazon.com.br
Pelo Litoral
A fotógrafa Mirella Rabaioli, o performer e produtor cultural Pascal Berten e sua filha Lena, quatro anos, criaram um pequeno paraíso não apenas para eles entre as margens do Rio Maquiné e a Reserva Biológica da Serra Geral, em Maquiné, no Litoral Norte.
No Amó, o "salão" e a casa de hóspedes estão abertos a oficinas, cursos, imersões e criações artísticas. A ideia do casal, que construiu em palha, barro e madeira a própria casa e os anexos, é promover a cultura, a agroecologia e a economia solidária. Dá para fazer trilha pela mata — acompanhado também pela fiel cachorra Rônia e por enormes borboletas brancas — ou tomar banho de rio. Dá para aprender um pouco mais sobre alimentação, ervas medicinais e respeito ao ambiente.
Mais em: amobemviver.com
Pela Serra
Um dos mais novos roteiros criados na serra gaúcha pode ser uma boa opção para este tempo de vindima, que em alguns pontos entra março adentro: os Caminhos do Alfredo, em Flores da Cunha, reúne 11 empreendimentos, na maioria tocados por jovens da região. Ao longo de cinco quilômetros do Travessão Alfredo Chaves, em meio à exuberante paisagem do interior do município que é o maior produtor de vinho e uva do país, podem ser visitados: Caldart Graspa Artesanal, Paradouro do Suco, Vinhos Fabian, Terrasul Vinhos Finos, Vinhos Viapiana, Vinícola Bebber, Vinícola Scortese, Gran Nero Presunto Cru, Sucos Della Famiglia, Cantina Gelain e Colônia Família Bordin.
Mais em: caminhosdoalfredo.com.br