Você viaja, acumula milhas, percorre países distantes e culturas diversas, conhece restaurantes estrelados e, de repente, descobre que um de seus lugares no mundo fica em um porão de chão batido e paredes descascadas em uma casa de madeira do interior de Garibaldi. À frente da cozinha que serve as mesas coletivas desse porão recheado de memórias, uma mulher de 72 anos, com biografia de cinema e sorriso arrebatador, há duas décadas faz muita gente reviver sabores e aromas experimentados na casa da mamma ou da nonna.
Não por acaso, Odete Bettú Lazzari vê pessoas chorarem ao provar sua sopa de capeletti, a galinha rostida, o nhoque com molho de salamito ou a carne lessa, um cardápio quase imutável. Não é só pela comida deliciosa, é por tudo que ela evoca. A emoção aumenta quando, ao final da refeição, cada um ganha uma "colombina", uma pequena pombinha produzida com massa de pão, tradição quase perdida na colônia italiana, entregue aos visitantes desde a abertura da Osteria della Colombina — estima-se que já tenham sido distribuídas 120 mil pombinhas.
É preciso reforçar: você não estará entrando (apenas) em um restaurante ao chegar à Osteria, uma das atrações da Estrada do Sabor, que também completa 20 anos: Odete abre a sua casa e a sua história a quem passa por ali. É a história de uma mulher que enviuvou aos 47 anos — mãe de quatro filhas, se deu conta de que não conseguiria mantê-las e a si própria só arrendando os parreirais da propriedade de 13,2 hectares.
A vida nunca foi de facilidades. Odete vinha de uma família de sete irmãos e só aos 16 anos pôde retomar os estudos na escola noturna para completar o ginásio, o Ensino Fundamental da época. Casou-se aos 22 e mudou-se para a casa onde vive até hoje. Desde cedo, aprendeu a fazer todas as lidas domésticas, incluindo cozinhar. E a ser corajosa.
E talvez seja a coragem de Odete o principal ingrediente a ser celebrado na festa que a Osteria está preparando para comemorar os 20 anos, dia 27, com número limitado de participantes e lucro destinado à Liga Feminina de Combate ao Câncer. Foi com pouco mais do que coragem que ela iniciou a grande virada de sua vida, ao ouvir, numa rádio local, um "aviso mágico", um convite para participar de um programa do Sebrae para agricultores que quisessem trabalhar com turismo rural. Ela nem pensou. Decidiu. Durante dois anos, preparou-se para receber visitantes, seguindo à risca tudo que lhe ensinavam. Tinha só uma convicção: o cardápio. Queria que fosse aquele preparado pela mãe em dias de festa, algo que lhe ativava todos os sentidos, do olfato ao coração.
Sem dinheiro e sem poder contratar ninguém, ela e as filhas colocaram a mão na massa. Cada uma ajudava do jeito que podia e, aos poucos, encontraram seu caminho: Raísa, que aos oito anos arrancava com as mãos o reboco da parede, formou-se em enoturismo e é responsável pela administração do empreendimento; Rosângela graduou-se em agropecuária e viticultura, fez estágios na Itália, cuida dos pomares, produz os vinhos biodinâmicos e os licores; Raquel estudou gestão de pessoas e Roselaine, pedagogia, mas também atuam com maior ou menor intensidade no negócio desde aquele primeiro dia. Naquele dia em que inauguraram a Osteria, sem ter sequer como servir a famosa sopa, tiveram os pratos emprestados pelo Hotel Casacurta.
Ao abrir as portas, Odete se perguntava se o que vivia era real. Passou a acreditar que sim ao ver um visitante alemão, professor da UFRGS, chegar pela terceira vez em pouco tempo, levando amigos para conhecer o lugar. O boca a boca mais do que funcionou. A Osteria e Odete começaram a figurar em jornais, revistas, programas de TV, participar de feiras de turismo rural e viraram referência no setor. O resto não é só história, é muito trabalho.
A rotina não ficou mais simples. Odete acorda às 5h30min para tomar café com calma e, às 6h, já está na cozinha nos dias de almoço (sexta, sábado, domingo e feriados). Nos outros dias, prepara pães, massas, colombinas, compotas. Dorme por volta das 22h se não houver atividades externas — atual "presidente" da Estrada do Sabor, ela já fez quase 40 cursos certificados, recebeu pelo menos uma dezena de prêmios e homenagens e incentiva as filhas a atuarem na comunidade; Raísa é a presidente do Conselho Municipal de Turismo de Garibaldi, por exemplo. Quando estão a pleno, com o porão e o jardim fervilhando, 10 pessoas trabalham na operação, incluindo as outras filhas, os genros e colaboradores.
No porão, além da comida, cada objeto conta uma história das famílias Bettú e Lazzari e elas os conhecem em detalhe. Comida e objetos, tudo precisa fazer sentido. Com a pandemia, reforçaram os cuidados — as mesas, antes só no porão, ganharam o jardim — e a preocupação em oferecer produtos sem adição de químicos, da propriedade ou dos arredores. Os clientes seguem sendo acolhidos com o mesmo afeto.
O que eles podem esperar dos próximos 20 anos?
Não há diferença no discurso de Odete, a mãe, e de Raísa, a filha que transformou o negócio na sua vida, nem das outras irmãs: continuar mostrando para quem as visita que oferecem mais do que uma experiência gastro-turística. É uma vivência. E essa essência, da originalidade e da simplicidade, nem a mãe e nem as filhas querem perder.
O evento de aniversário
- O Volare será no dia 27/11, das 16h às 21h
- Além das entradas servidas pela Osteria della Colombina, da sopa e das sobremesas, das ilhas de espumantes e vinhos, dois chefs convidados apresentarão seus pratos: Rodrigo Bellora, do Valle Rustico, e Giordano Tarso, do Colheita Butique Sazonal
- A festa será no jardim, com número limitado de pessoas e renda líquida doada para a Liga Feminina de Combate ao Câncer de Garibaldi
- Informações e reservas: (54) 99121-1040 e osteriadellacolombina.com.br
Odete e a Osteria em palavras
"Esses 20 anos pareceram 100, por terem sido vividos de forma tão intensa. Causaram uma reviravolta na minha vida. Nada foi de graça. Quando se iniciou esse processo todo, era como se, numa curva, ao longe, aparecesse um cavalo, sem sela e sem rédeas, e eu montei nele. Mas eu estou feliz porque transformei minha vida e da minha família em algo melhor. E nós fazemos felizes nossos clientes."
Odete Bettú Lazzari, 72 anos, criadora e chef da Osteria della Colombina.
"Odete é referência em turismo rural enogastronômico. Sua determinação em buscar a excelência em tudo o que oferece ao turista a fez superar as dificuldades e se tornar um caso de sucesso em turismo sustentável."
Ivane Fávero, turismóloga, ex-secretária de Turismo de Garibaldi.
"É uma satisfação enorme participar dessa atividade na Osteria, um lugar de muita memória afetiva. Me faz voltar à minha origem, uma reconexão com o simples e com o extremamente bem-feito."
Giordano Tarso, do restaurante Colheita Butique Sazonal, um dos chefs convidados.
Arte, cultura e gastronomia em Caxias
20 e 21 de novembro: segunda edição do Sálvia-Festival da Arte, Cultura e Gastronomia, na Praça das Feiras, em Caxias do Sul. Reúne 14 cozinhas e seis estações de bebidas e tem entrada gratuita — o público paga só o que consumir. Programação inclui música, dança, workshops (azeites, frutos do mar, pães, chocolates, vinhos, espumantes e cervejas), venda de artesanato e de produtos de agricultores.
A Ferro e Fogo em São Chico
Vinte e um de novembro, das 11h às 16h: nos arredores do lago do Parador Hampel, o chefe Marcos Livi promove o A Ferro e Fogo — Além-mar especial Lagostim, inspirado nos festivais da Louisiana (EUA). Mas haverá também as tradicionais carnes vermelhas (costelão bovino, cordeiro patagônico, javali e porco). A parte musical será da The Juke Joint Band. Informações e reservas: (54) 99692-9717.