Depois que cruzei a barreira dos 60 anos, em plena pandemia, quando éramos considerados do grupo mais sujeito a morrer daquela peste, passei a pensar mais no que fazer quando a velhice chegar. Sempre digo aos haters que pensam ofender chamando alguém de velho que a alternativa é bem pior. Só envelhecem os que não morreram na flor da idade. Quando temos mais passado do que futuro pela frente é hora de planejar o que fazer com os anos preciosos que nos restam.
Hoje tenho clareza de que cuidar da saúde é essencial, porque sem ela qualquer plano para depois dos 70 naufraga. Peço a Deus que me dê lucidez para ler os livros que foram se acumulando ao longo de décadas, mesmo que para isso seja preciso aumentar o grau da lente dos óculos. Quero ser uma velhinha que vai ao cinema duas ou três vezes por semana, na sessão da tarde, e depois sai para tomar chá ou vinho branco com as amigas ou com seu par. Quero cozinhar para meus filhos e deixá-los livres para cuidar de suas vidas.
Meu plano de futuro não inclui concorrer a cargos públicos, simplesmente porque sempre detestei a ideia de trocar o jornalismo pela política. Sei qual é o meu lugar no mundo e, por certo, não é um projeto de poder. Quero ser uma velhinha que cultiva rosas. Por isso investi num quintal onde os cachorros correm soltos. É um pedaço de terra em que se plantando tudo dá, como dizia a carta de Pero Vaz de Caminha.
Pessoas que acreditam em reencarnação dizem que em outras vidas foram rainhas ou princesas ou cortesãs no Egito ou na França dos Luíses. Eu que não tenho certeza se existe um antes e um depois, só posso dizer que, se vivi outras vidas no tempo das monarquias retratadas nos filmes, eu era a jardineira do castelo. Plantar e colher estão entre meus verbos preferidos, ao lado de florescer.
Planto orquídeas no tronco das árvores e a recompensa vem na forma de flores que desabrocham lentamente. A catleia branca está grávida de trigêmeas e é um prazer ver os botões inchando a cada semana — talvez desabrochem no Natal, abrigados no pé de magnólia.
Acompanho a gestação com visitas aos fins de semana e às vezes sou surpreendida com o colorido de flores inesperadas, como ocorreu com a malva-rosa. Não encontrando sementes no mercado local, invisto parte do meu salário em compras pela internet. Estava quase desistindo da malva-rosa, porque as sementes não germinavam, quando finalmente um pacote vingou. Nasceram vários pés e o primeiro me surpreendeu em flor há alguns dias. Já perdi dinheiro comprando sementes de flor de lótus que nunca chegaram ou de peônias que não nasceram, mas nem por isso desisti de ter um canteiro de lisiantus e um pé de de flamboyant que resista aos invernos do meu jardim.
Sei também o que não quero. Não quero ser dessas pessoas que vivem com um pé no passado, dizendo que no seu tempo, sim, as coisas eram boas (mesmo que não tenham tido uma máquina de lavar-louças). O que importa é o presente, mas quero pensar no futuro como um tempo que inclui o trabalho voluntário, mesmo que seja fazer sapatinhos de crochê para bebês que nascerão precisando de ajuda para não passar frio.