Ali, onde tudo era água seis meses atrás, brotou na última semana uma amostra da capacidade de recuperação de quem trabalha na terra. Agricultores familiares de diferentes regiões do Rio Grande do Sul levaram para o Largo Gênio Peres, no coração de Porto Alegre, um pouco do que produzem e que costumam apresentar nas grandes feiras, como Expodireto, Expointer e Expoagro Afubra. Só consegui visitar a Feira da Agricultura Familiar na manhã de sábado e, mais uma vez, senti no sotaque e no jeito daqueles homens e mulheres do campo um pouco dos meus pais, tios e antigos vizinhos.
Criada na roça em um tempo em que só se produzia alimentos para o consumo interno ou para presentear amigos e vizinhos, me emociono com a diferença na valorização do trabalho de quem vive da terra. Se antes a alegria das mulheres que faziam marmelada era o elogio das visitas, hoje o reconhecimento vem na forma de sacolas cheias de quem sai de casa para comprar produtos da agricultura familiar. Ou que se entusiasma ao provar uma porção de torresmo, uma rodela de salame, um pedacinho de queijo.
Queria ter conversado mais com cada uma das mulheres (elas são maioria nessas feiras) e dos jovens encarregados de cada banca. Mas era sábado, o pavilhão fervilhava de clientes e eu não queria atrapalhar as vendas. Mas conversei com alguns homens e mulheres e senti outra vez a emoção de uma viagem no tempo. Na banca do Toledo, comprei torresmo e ouvi, com muito orgulho, que os clientes chegavam e, quando viam a plaquinha escrita “Campos Borges”, diziam que conheciam a cidade por eu estar sempre falando que é a minha terra. Horas depois, recebi de amigos o vídeo em que o prefeito Sebastião Melo prova o torresmo e comenta que Campos Borges é a terra da Rosane de Oliveira.
Do Hermes de Arroio do Tigre, nosso velho conhecido de todas as feiras, saí com cucas e bolachas de Natal, aquelas pintadas com merengue e decoradas com açúcar de cor. Na De Paula, de Santo Antônio da Patrulha, comprei marmelada de marmelo português. O dono não conhecia o marmelo que tanto procuro, aquele comum, que quando maduro fica macio. Me disse que esse português tem de ser cortado com o facão. Logo adiante, nas geleias Ivani, de Bento Gonçalves, encontrei o doce de marmelo cremoso, exatamente como o que minha mãe me ensinou a fazer. A simpática senhorinha me disse que esses marmelos comuns são produzidos na propriedade da família e senti um cheiro familiar de fevereiros pretéritos pairando no ar.
Não vou me estender detalhando conversas com todos a quem perguntei como estava a recuperação da enchente, mas seria tão bom se os clientes pudessem ouvir as histórias de como é a vida de quem faz a agricultura familiar. Talvez nem todos saibam que quem vive da produção de leite não tem fim de semana nem dia santo e desconhece o sentido da palavra feriadão. Em novembro de 2025, eles estarão no Glênio Peres outra vez, porque a feira faz parte do calendário de Porto Alegre, mas antes vou encontrá-los nas feiras do interior, onde a Fetag e a Secretaria do Desenvolvimento Rural montam o pavilhão mais delicioso de qualquer um desses eventos de excelência da agricultura e da pecuária e de tecnologia voltada para o campo.