Catalisadora de fios brancos na cabeça dos últimos governadores, a dívida do Rio Grande do Sul com a União voltou a crescer em 2023. O montante saltou de R$ 82,5 bilhões em dezembro de 2022 para R$ 92,9 bilhões no final do ano passado. Em termos nominais, significa que o passivo aumentou R$ 10,4 bilhões, ou 12,6%, em apenas um ano. No mesmo período, a inflação oficial foi de 4,62%.
Classificado como "explosivo" pela secretária estadual da Fazenda, Pricilla Santana, o crescimento da dívida é explicado sobretudo pela taxa básica de juro, que está em dois dígitos desde 2022. Ocorre que a Selic é um dos balizadores da correção do débito. Quando o indicador está alto, a dívida gaúcha tende a subir mais.
Outro fator que colabora para a elevação do passivo é o fato de que o Estado deixou de quitar as parcelas da dívida por quase cinco anos, beneficiado por uma liminar obtida no Supremo Tribunal Federal (STF). Com a homologação do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), ocorrida em junho de 2022, o Rio Grande do Sul voltou a pagar parcelas reduzidas numa espécie de "escadinha". Tudo o que deixou de ser pago nos últimos anos, seja pela liminar ou pelo parcelamento do RRF, também passou a fazer parte do montante devido.
Cientes de que a situação é insustentável a longo prazo, Eduardo Leite e outros governadores do Sul e do Sudeste iniciaram articulação para tentar mudar o indexador da dívida. O tema foi exposto ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em reunião no final do ano passado, da qual participou também Eduardo Leite. Na ocasião, Haddad pediu aos governadores para que o assunto voltasse a ser tratado em 2024, a fim de não tumultuar a tramitação da reforma tributária.
No lugar do atual Coeficiente de Atualização Monetária (CAM), atrelado à Selic e ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (ICPA), a secretária Pricilla Santana defende o uso de uma taxa de longo prazo para corrigir a dívida.
— A dívida é pagável. O que não podemos é adotar a trajetória explosiva de variáveis que a gente não controla. A Selic é basicamente política monetária, é quanto o Banco Central quer tirar ou não dinheiro em circulação da economia. O Estado não faz política monetária — explica Pricilla.
Para que a mudança de indexador tenha chance de ocorrer, o governo federal teria de enviar projeto de lei complementar ao Congresso propondo a alteração. Daí a necessidade de os governadores convencerem Haddad e a equipe econômica do governo Lula.
Perguntado pela coluna sobre o envio da proposta ao Congresso, Haddad despistou.
— Estamos estudando cenários — respondeu.
Concomitante à discussão sobre a correção da dívida, o governo gaúcho irá protocolar até o final de janeiro uma proposta de repactuação do RRF. O Palácio Piratini alega que a redução abrupta das alíquotas de ICMS sobre os combustíveis às vésperas da campanha presidencial, por iniciativa do governo Jair Bolsonaro, desequilibrou as contas do Estado e tornou o regime inviável nos atuais termos.
A repactuação proposta pelo Rio Grande do Sul pedirá, em resumo, que o Estado pague parcelas ainda menores do que hoje e por mais tempo, antes de assumir a volta da parcela cheia. O pedido será analisado pela Secretaria do Tesouro Nacional, órgão do Ministério da Fazenda.
Aliás
A fórmula de correção da dívida dos Estados está em vigor desde 2014, quando o Congresso aprovou a troca do juro de 6% a 9% mais IGP-DI para o indexador atual, vinculado à Selic e ao IPCA. A aprovação foi comemorada à época, com previsão de que o débito gaúcho seria reduzido em R$ 15 bilhões. A alteração contou com a articulação de Tarso Genro e Fernando Haddad, à época governador do RS e prefeito de São Paulo, respectivamente.