Um ano depois de concluir um longo processo de renegociação da dívida com a União, o governo do Rio Grande do Sul voltou, nesta quinta-feira (15), a projetar publicamente que o Estado não terá condições de pagar as parcelas mensais da dívida com a União. A previsão da Secretaria Estadual da Fazenda é de que o cenário fiscal se torne insustentável dentro de cinco anos.
Para tentar evitar um novo cotidiano de crise nas contas, que impacta na prestação de serviços públicos, o Rio Grande do Sul busca uma renegociação da dívida com a União. A demanda foi levada, nesta quinta, à Secretaria do Tesouro Nacional (STN), órgão que trata do tema e é ligado ao Ministério da Fazenda.
De acordo com a secretária estadual da Fazenda, Pricilla Maria Santana, o Estado tem dois objetivos centrais na renegociação. De um lado, quer a suavização das parcelas mensais da dívida. A ideia é ganhar seis anos a mais até que a União volte a cobrar a integralidade da dívida.
A outra demanda é para que a União aceite mudar a forma de atualização da dívida. Hoje, os débitos dos Estados com a União estão indexados à inflação e aos juros oficiais – indicadores que tiveram alta expressiva nos últimos dois anos, ampliando o débito gaúcho.
— Se eu não alterar as condições de pagamento e se for mantida essa atual indexação, ela (a situação) vai se tornar insustentável. A princípio, a partir de 2028. Por isso que falo: não é uma preocupação do governo atual, eu estou olhando o Estado. Preciso deixar uma trajetória para quem me suceder. Até 2026, nada acontece. O problema se materializa de concreto a partir de 2028 — destaca a secretária estadual da Fazenda.
A responsável pelas contas públicas gaúchas apresentou, nesta quinta-feira (15), o relatório da dívida do RS de 2022 à Comissão de Finanças, Planejamento, Fiscalização e Controle da Assembleia Legislativa. O documento mostra que a dívida total do Estado passou de R$ 86 bilhões para R$ 93,6 bilhões entre 2021 e 2022 — uma alta de 8,7%.
— Olhando o futuro, por que estou preocupada? A trajetória da nossa dívida está crescente. Precisamos mudar esta trajetória. É o nosso desafio de negociar (com a União) — disse Santana, ao mostrar um gráfico da trajetória da dívida novamente apontando para cima.
Parte do cenário atual passa, de acordo com a secretária da Fazenda, pela queda de arrecadação percebida em 2022, quando o Congresso Nacional decidiu limitar a cobrança do imposto estadual sobre os combustíveis.
No primeiro encontro realizado pela Fazenda gaúcha com a Secretaria do Tesouro Nacional sobre o tema houve resistência aos pedidos de renegociação. A estratégia do governo do Estado para ter sucesso nos pedidos é embutir a renegociação da dívida nas articulações políticas envolvendo a reforma tributária.
— Do ministro (da Fazenda) Haddad houve sinalização positiva. Por isso que o apoio da Assembleia é tão importante. Tem uma dimensão política que vai precisar ser manejada. Temos de pegar a janela da reforma tributária e construir uma solução federativa — projetou Santana.
Deputados demonstram preocupação com números
Ao tomarem conhecimento dos dados, os deputados de oposição ao governo Eduardo Leite que integram a Comissão de Finanças demonstraram preocupação com o horizonte fiscal e levantaram críticas ao chefe do Executivo.
— Este Estado foi informado pelo governador reeleito Eduardo Leite de que ele tinha ajustado as contas do Rio Grande do Sul. E que iríamos discutir outras agendas. O que a senhora (secretária da Fazenda) traz para a gente é que o Estado não está ajustado e tem desafios estruturais difíceis. Dá conta da gravidade da situação fiscal — disse o deputado estadual Miguel Rossetto (PT).
Rodrigo Lorenzoni (PL), um dos principais deputados da oposição à direita, também criticou Leite, alegou que há divergência entre os discursos técnico e político do Palácio Piratini.
— Não faz lógica. A Secretaria da Fazenda vem aqui e diz: “A receita cai, a despesa aumenta, o Estado vai colapsar, temos de ter cuidado”. E o governador solta foguete com superávit de R$ 3,3 bi no ano passado. Como está, a conta não fecha na cabeça da população — afirmou Lorenzoni.
Em uma das respostas aos deputados, a secretária da Fazenda destacou os avanços nas finanças conquistados pelo governo do Estado, como a retomada do pagamento em dia dos salários dos servidores e com a ampliação dos investimentos.
— Faz sentido a gente afirmar que o Estado está ajustado? De onde a gente está olhando? Se eu olho um Estado que ficou 53 meses com a folha atrasada, não conseguia pagar fornecedores, e que hoje isso está regular, acho que temos um ponto de “em busca do ajuste”. O ajuste é um caminho — defendeu Santana.
Questionada por GZH se o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) demonstra limitações, a secretária da Fazenda destacou que a última renegociação, concluída em 2022, considerava um cenário macroeconômico mais favorável.
— O RRF deu certo demais. Só que o RRF não previu tudo. Duas coisas não foram previstas. A perda da arrecadação que a gente sente agora, e esse impacto no nosso saldo da dívida que vem de uma inflação de quase dois dígitos combinada com uma taxa de juros de 13%. Se não tivesse isso, o regime ficaria muito mais consolidado. Mas são dois eventos que você não tinha como prever lá atrás — apontou Santana.