Há algo de muito errado quando cidadãos que se consideram “de bem” tentam impedir um ministro do Supremo Tribunal Federal — ou integrante de qualquer outro Poder — de entrar em determinada cidade para fazer palestra a convite de uma instituição. Essa intolerância atenta contra o Estado democrático de direito e está fazendo escola no Rio Grande do Sul, um Estado que no passado já foi trincheira de resistência democrática.
Depois que o ministro Luiz Fux, presidente do STF, foi “desconvidado” para falar para empresários de Bento Gonçalves, com o pretexto da falta de segurança, grupos de direita tentaram fazer o mesmo com Dias Toffoli, convidado a proferir conferência de abertura da 26ª Jornada Internacional de Direito de Gramado, nos dias 8 e 9 de julho, no Palácio dos Festivais. Empresas chegaram a cancelar patrocínios, mas os organizadores bancaram a palestra em respeito às instituições democráticas. A participação, no entanto, será virtual, pelo temor de atentado contra a vida do ministro.
Para mostrar que não aceita a truculência, a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) vai prestigiar o encontro e dar uma contribuição financeira simbólica à organização.
— É um paradoxo que quem vive bradando pelo direito à liberdade de expressão tente impedir ministros da Suprema Corte de entrar em uma cidade ou de fazer palestra em um congresso do qual só participa quem está disposto a ouvir — diz o presidente da Ajuris, Cláudio Martinewski, assustado com o grau de radicalização na Serra e que tende a se acentuar com a proximidade da eleição.
Nas conversas com juízes de outros Estados, o desembargador tem sido questionado sobre o que está ocorrendo no Rio Grande do Sul para que líderes empresariais e até políticos com mandato adotem comportamento tão primitivo:
— Podemos discordar do que dizem ou fazem alguns ministros do Supremo, mas não é democrático interditar o debate. Esse congresso é realizado há mais de meio século e sempre se caracterizou pela pluralidade.
O advogado Fabiano Machado da Silva, curador científico da edição 2022 da Jornada, está chocado com a intolerância e diz que não será a suspensão dos patrocínios a impedir que os advogados e estudantes de Direito ouçam o que Toffoli tem a dizer:
— Mesmo com prejuízo, manteremos o evento que está na 26ª edição. Não há mais tempo para mudar o local, nem nós faríamos isso, porque a tradição é realizar a jornada em Gramado.
A jornada deve ter a participação presencial de 500 pessoas, mas será transmitida online para todo o Brasil. Isso significa que a “fama” de Gramado como cidade que faz “seleção ideológica” de visitantes tende a se espalhar pelo Brasil. Como entre os líderes do boicote ao ministro Toffoli estão líderes do setor hoteleiro e um dos patrocinadores que retirou o apoio é um dos hotéis mais antigos da cidade, a pergunta que fica é se esses estabelecimentos só aceitarão turistas que se identifiquem com os pontos de vista de seus donos.
Em conversa com o presidente da Ajuris, o governador Ranolfo Vieira Júnior havia garantido mobilizar as forças de segurança para proteger não só o ministro Dias Toffoli, como a ministra Cármen Lúcia, a exemplo do que foi feito na visita do ex-presidente Lula a Porto Alegre.
Mesmo não sendo uma ministra polêmica como Toffoli ou Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia virou alvo do “cancelamento” dos gramadenses que não sabem conviver com a democracia — e dos agitadores de outros municípios que ajudam a prejudicar a imagem da cidade serrana.
Desde o início, a participação da ministra estava prevista a ocorrer por videoconferência, mas só o fato de estar na lista de palestrantes do 12º Congresso do Mercosul de Direito de Família e Sucessões bastou para que três empresas cancelassem o patrocínio do encontro, que ocorre nos dias 24 e 25 de junho.