Quem ouviu com atenção a entrevista do secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Arnaldo Correia de Medeiros, ao programa Gaúcha Atualidade deve ter ficado com a sensação de que há dois governos em Brasília, quando o assunto é o enfrentamento ao coronavírus. De um lado, os técnicos, seguindo a ciência e preparando a campanha de vacinação e, do outro, o presidente da República e um grupo fanático de seguidores tentando desqualificar a vacina do Instituto Butantan, usando premissas falsas. Medeiros foi claro, assertivo e sereno. Não deixou pergunta sem resposta. Na contramão, Bolsonaro usou o índice de eficácia de 50,4% para insinuar que a vacina do Butantan não é confiável.
Bolsonaro seguiu na mesma toada do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub e de seu assessor para Assuntos Internacionais, Filipe Martins, que usaram as redes sociais para desqualificar a CoronaVac, mesmo que os resultados dos testes sejam considerados positivos pelos cientistas e pela Sociedade Brasileira de Imunologia.
É verdade que o governo de São Paulo, sob o comando de João Doria, errou miseravelmente na comunicação do resultado dos testes e acabou semeando confusão. Ao divulgar os resultados por partes e de forma pouco didática, o governo paulista fez, no mínimo, dois gols contra na partida decisiva de um jogo de vida ou morte.
O desafio dos técnicos do Ministério da Saúde será fazer uma campanha capaz de convencer a população de que as duas vacinas são seguras, já que ninguém poderá escolher com qual das duas que estão com pedido de autorização para uso emergencial na Anvisa será imunizado. A tradição da Fiocruz (que produzirá a vacina de Oxford) e do Butantan (que fabricará a CoronaVac) deveriam ser suficientes para tranquilizar a população, mas, com o presidente jogando contra, a tarefa da comunicação será ainda mais desafiadora.
Diante dessa divergência no governo federal, Estados e municípios deveriam tomar para si a tarefa de produzir planos de comunicação para bem informar a população, seja com campanhas estruturadas, seja indicando os técnicos mais qualificados para dar informações aos veículos. Por se tratar de vacinas novas, produzidas em um esforço monumental da ciência para vencer o vírus que há um ano abala o planeta, é natural que os leigos tenham dúvidas. Aos técnicos, cabe esclarecer. Dos governantes espera-se que, no mínimo, estudem, informem-se e evitem espalhar notícias falsas e teorias conspiratórias.
As campanhas não devem se focar apenas no esclarecimento sobre a importância da vacina para evitar a superlotação dos hospitais e as mortes, mas no esclarecimento sobre as prioridades. Os brasileiros que esperam ansiosamente pela vacina precisam saber que não adianta formar fila nos postos de saúde: será preciso esperar a vez, de acordo com o calendário de prioridades e com a capacidade de produção das doses. Primeiro os profissionais de saúde, que estão na linha de frente — e que foram o público-alvo dos testes da CoronaVac, por estarem mais expostos ao vírus — depois os idosos que vivem em casas geriátricas, até chegar à população em geral.
Aliás
Estados e municípios poderão definir a sua própria lista de prioridades e incluir professores e profissionais da segurança pública, que estão nas ruas todos os dias, na lista dos que receberão a vacina primeiro.