Confirmada a vitória do democrata Joe Biden, resta ao presidente Jair Bolsonaro engolir o choro e agir como adulto na relação com os Estados Unidos, segundo maior parceiro comercial do Brasil. Bolsonaro torceu até o fim pela reeleição de Donald Trump, de quem se diz amigo. Na quarta-feira, quando a virada de Biden começou a se desenhar, Bolsonaro disse que “a esperança é a última que morre”, sonhando com uma reviravolta. Na sexta-feira, já diante do fato consumado, afirmou que Trump não é o homem mais importante do mundo. E não é mesmo.
A afinidade ideológica de Bolsonaro com Trump e a subserviência na relação com seu governo nada trouxe de positivo para o Brasil. O contrário é verdadeiro: enquanto os Estados Unidos aplicavam sobretaxa no aço e em outros produtos que importam do Brasil, Bolsonaro comprou etanol que sobra por lá, sem levar em conta os interesses dos produtores brasileiros.
Como disse o ex-embaixador Rubens Ricupero, profundo conhecedor das relações entre os dois países, os americanos são pragmáticos e não se comovem com servilismo. Desde que tomou posse, Bolsonaro, os filhos (sobretudo o deputado Eduardo Bolsonaro) e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, não cansam de agir como vassalos. Forçam a amizade, como dizem os adolescentes.
Foi por se considerar amigo de infância de Trump que Bolsonaro tentou fazer do filho Eduardo o embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Só recuou porque o Senado sinalizou que a indicação não passaria. Na vaga entrou Nestor Forster, um diplomata de carreira com preparo de sobra para defender os interesses brasileiros.
Bolsonaro se expôs ao ridículo em setembro do ano passado, na abertura da assembleia geral da ONU, quando fez uma declaração pública de amor a Trump, como adolescente deslumbrado. “I love you”, disse Bolsonaro, que de inglês conhece apenas algumas frases e precisou de intérprete nas vezes em que conversou com o presidente dos Estados Unidos. Trump respondeu com um “bom te ver de novo”.
Passado o embate eleitoral, Bolsonaro deve adotar a máxima de que “amigos, amigos, negócios à parte”. O governo brasileiro, que vive comprando briga com a China, seu maior parceiro comercial, terá agora de construir pontes com os democratas, porque a relação com os Estados Unidos tem de estar acima das divergências ideológicas e das preferências pessoais. Seria um erro monumental dar corda às teorias conspiratórias de Trump, que se declara eleito e, feito um guri birrento, diz que não sairá da Casa Branca. Sairá pela porta dos fundos com seu comportamento autoritário e desrespeitoso ao processo eleitoral, mas sairá.
Uma nova era está começando nos Estados Unidos e os diplomatas brasileiros terão de entrar em campo para conter o presidente e, principalmente, seus filhos mimados. Além de cumprimentar o vencedor, como manda a etiqueta das relações internacionais, Bolsonaro precisa parar de dar corda aos fanáticos das redes sociais que ainda vivem na Guerra Fria, tratam os democratas como comunistas e comparam a vitória de Biden à revolução socialista que resultou na formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
A ala militar do governo, capitaneada pelo vice-presidente Hamilton Mourão, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, já sinalizaram que têm a maturidade necessária para construir uma relação positiva com o futuro governo democrata. Ao contrário de Trump, negacionista dos efeitos do aquecimento global, Biden tem na preservação ambiental uma de suas bandeiras e mencionou o Brasil e a Floresta Amazônica no primeiro debate da campanha, o que provocou uma reação irada de Bolsonaro. Biden não quer se adonar da floresta, mas pode, sim, impor sanções econômicas ao Brasil se o presidente e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, continuarem na toada de que as queimadas são culpa dos índios, das ONGs e dos pequenos agricultores.