A partir de 20 janeiro de 2021,os Estados Unidos iniciarão um novo período histórico, no qual o país, que por décadas se orgulhou de ser partícipe do sistema internacional, voltará a ter papel fundamental nas decisões globais.
Por quatro anos, Donald Trump liderou uma agenda isolacionista, dinamitando pontes com aliados históricos na Europa, implementando uma guerra comercial com a China e afastando a nação dos grandes consensos globais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Pacto de Paris sobre mudanças climáticas e regimes sobre direitos humanos e migrações.
Com um plano de governo oposto ao do republicano, Joe Biden, matematicamente eleito presidente dos Estados Unidos neste sábado (6), deve reinserir o país nas grandes discussões mundiais. Veja abaixo como deve ser o mundo a partir da ótica do democrata.
China
Esse é o grande tema da geopolítica americana. O gigante asiático é uma questão que está está acima das divergências entre democratas e republicanos. É política de Estado - a China é vista como a ameaça à hegemonia americana estabelecida após o fim da URSS e, consequentemente, da Guerra Fria. A projeção de influência econômica e política não é apenas uma questão comercial: é de estratégica. Há, para muitos analistas, o entendimento de que o mundo hoje é muito mais "chinocêntrico", ou seja, de que o centro do planeta, que era ocupado por nações centrais da Europa, no século 19, foi migrando para os Estados Unidos, no 21, e que, agora, estaria virando para o Oriente.
Biden também estará preocupado em conter a projeção de influência chinesa, a partir de iniciativas como o Belt and Road Iniciative - conhecido como "A nova rota da seda", cujos tentáculos em projetos de infraestrutura se estendem por Ásia, Africa e América Latina. A expansão da tecnologia 5G, que põe o Brasil no centro, é apenas um dos aspectos dessa preocupação.
Com Binden na Casa BRanca, os EUA continuarão vendo a China como adversária geopolítica, porém a abordagem deve ser mais pelo diálogo, com iniciativas diplomáticas e menos pelo confronto.
Sistema internacional
Com Biden na presidência, os Estados Unidos devem reingressar no sistema multilateral. Deve haver um novo engajamento americano nas questões mundiais. Trump, com seu "America first" isolacionista retirou o país dos grandes arranjos estabelecidos (com liderança dos próprios americanos a partir da Segunda Guerra Mundial), como a OMS, o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, comissão de direitos humanos da ONU e regimes migratórios. Trump debilitou também a estrutura da Organização Mundial do Comércio (OMC), preferindo relações comerciais bilaterais.
Relação com a Europa
Trump arranhou alianças com a França, do presidente Emmanuel Macron, e com a Alemanha, de Angela Merkel, aliados históricos pós-Segunda Guerra. Exigia, por exemplo que os europeus pagassem a conta de sua própria segurança, retirando dinheiro que põe na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Biden deve voltar a priorizar a Europa, revalorizar a Otan no plano estartégico de segurança dos próprios Estados Unidos em relação à ameaças externas, como Rússia, ou novos atores, como terroristas e ciberativistas.
Oriente Médio e Ásia
Os Estados Unidos são aliados históricos de Israel. Isso não muda. Mas deve haver um olhar mais cuidadoso para a questão palestina. Essa foi a tendência em governos democratas, comos de Jimmy Carter, Bill Clinton e Baraco Obama. Mas o ponto central hoje na região é a disputa por hegemonia entre Irã (ameaça xiita) e a Arábia Saudita. Trump deu apoio aos sauditas com muito dinheiro, e fez ações ousadas na área militar, como a morte do general Qasem Soleimani, chefe da Guarda Revolucionaria do Irã, um dos homens mais poderosos do regime dos aiatolás. Com relação ao Irã, Biden deve apostar em tentativas de diálogo com o regime, como fizera Obama, ou pressões por meio de sanções econômicas.
Rússia
Biden vê a Rússia como a maior ameaça aos interesses dos EUA. Já descreveu o presidente Vladimir Putin como “bandido da KGB”, o serviço secreto da antiga URSS. Mesmo de saída, Trump continua sendo bem visto pelo Kremlin, até porque ele e Putin têm visões semelhantes de mundo.
Biden, por outro lado, é alinhado ao presidente francês, Emmanuel Macron, e à chanceler alemã, Angela Merkel. Enquanto Trump permitiu que a Rússia se tornasse um ator influente nas questões de Oriente Médio, Biden deve tentar conter essa presença de forma mais agressiva.
Coreia do Norte
Foi um dos avanços do governo Trump: ele que iniciou uma negociação pela desnuclearização da península coreana, se encontrou com Kim Jong-un e se tornou o primeiro presidente americano a cruzar a fronteira entre as Coreias e ingressar na nação comunista. Mas, na prática, pouco houve de ações concretas pelo fim da ameaça nuclear norte-coreana. A Coréia do Norte exibe armas, flexiona músculos. E este será um dos principais desafios de Biden no poder. Não está claro como deve proceder.
América Latina
Venezuela seguirá sendo a principal preocupação dos Estados Unidos no continente. Biden deve manter o tom duro da política externa americana com o regime de Nicolás Maduro. Mas a pressão será por meio de sanções econômicas, diplomacia de bastidores, sem ameaças de invasão, como faz Trump.
Deve haver maior diálogo com forças progressistas na América Latina, e com governos de esquerda na Argentina, com o presidente Alberto Fernández, com a Bolívia e a volta ao Movimento ao Socialismo (MAS), de Evo Morales ao poder. Trump não fez valer o acordo entre Estados Unido e Cuba, acertado durante a gestão Obama. A contrário, fez dele letra morta. Biden deve ressuscitá-lo.
Brasil
Biden é um político conhecido pelo diálogo, pela construção de consensos e negociação. Caberá ao Brasil decidir se continuará vendo esses temas do entorno estratégico, a América Latina, como algo que não lhe diz respeito ou assumir um papel de interlocutor. A proximidade do presidente Donald Trump com Trump não deve ser um problema. Biden é pragmático, colocará as relações entre Estados acima de interesses pessoais. A política externa americana em maior ou menor grau sempre influencia a America Latina. Caberá ao governo brasileiro exercer a cartilha da Casa de Rio Branco, que por décadas soube se comportar de forma pragmática com diferentes governos, independentemente da agenda ideológica de quem ora está no poder.